A Flor de Lótus Púrpura.


Ela permanece dormindo. Ela tem seus sonhos. Eu tenho apenas as palavras. Todas essas palavras...Ela tem a alma.

Não há movimento aparente em seu corpo deitado sob o lençol claro, mas observando atentamente, nota-se que há um fluxo maior. Algo em sentido perpétuo, em moto contínuo, deslocando-se dela para a vida.
Apenas olhando talvez você não enxergue, se não for capaz de ver então sinta.
Seu nome é meu segredo, nesse exato momento ela é o princípio e término de tudo o que existe e que é conhecido por você ou por mim, mesmo que não tenhamos a exata consciência disso. Ela, é a renovação através das suas lágrimas, amores, mortes e nascimentos.
Trazê-la até aqui e apresentá-la como se fosse uma das divindades sobre as quais você apenas lê, como um dos mitos cravados no inconsciente coletivo, é um ato justo de retribuição. Nem um passo antes, nem um passo depois. É somente a verdade.

O sonho dela é o nosso universo, seus devaneios formam a realidade na qual vivemos. A mesma frágil realidade que está fadada a ser desfeita, assim que minha amiga despertar e abrir seus olhos claros. Sempre tão profundos, como se através do pigmento fantasma verde e castanho deles, houvessem estrelas. Todo um universo delas contido naqueles olhos.

Se não for capaz de ver sinta. Se não for capaz de sentir então escute.

A respiração muito calma, a boca que se mantém entreaberta deixando o ar escapar e voltar quase sem ruído ou atrito, tocando seus lábios em sigilo.

Os cabelos que caem sobre rosto, estendendo-se como ondas e adquirindo uma beleza única. Os fios dispostos em camadas, feito as mil folhas de um lótus.

Hoje eles são avermelhados. Mas eventualmente ao longo da história podem mudar seu tom. Afinal para ela mudar é viver. Arder, fragmentando-se até não restar nada e desse vazio inexpugnável ela recria a vida.

Essa habilidade, mais do que todos os possíveis detalhes, torna-a linda.
E sim... Ainda existem esses outros possíveis detalhes que fascinam o olhar. A pele macia que me conduz a escrever como se pudesse de fato preencher o corpo dela com frases. Vesti-la com sons, com as minhas palavras.

O perfume. A essência aromática de uma determinada orquídea rodeando seus movimentos. Seus pulsos e nuca. Ombros e colo. O gosto. Alguns venenos, sem dúvida, devem ter o gosto dela. Suaves feito vinho, eles viciam. Ela vicia e você não se importa em morrer ou viver assim, com esse sabor na boca.
Depois de somar todos essas impressões, acredito realmente que o dia se aproxima somente porque deseja voltar a vê-la. Por estar viciado em sua presença.

Logo vai amanhecer e ela irá acordar. Quando finalmente abrir seus olhos, eu irei desaparecer, assim como todo o mundo sonhado por ela. O tempo irá cessar, os oceanos e a vida neles. As cidades, cada uma das casas.

Todos nós iremos esperar ela adormecer outra vez. Nada deverá existir até esse instante.
Apenas essa poesia vai continuar e acompanhá-la, entrelaçada nos passos dela, esperando para ser recitada mais tarde.
Quando ela voltar e adormecer outra vez, terá seus sonhos e essas palavras. Todas essas palavras.

Simples assim.

Comentários

Anônimo disse…
O que verte dos teus dias para criação de obra tão esplêndida?.. Invejo-te quase que extramente, dos dedos que escrevem à mente que maquina.. Como descrever essa sensação tão aquiescente e imanente, como se lhe fosse próprio, a própria idéia alheia?.. Teu ser é belo Moa, e emana a beleza que só grandes poetas têm.
Admiro-te deveras...