Tudo é possível, mas nada é real.



Anos atrás tive a oportunidade de ler a Graphic Novel chamada Asilo Arkham, com roteiro de Grant Morrison e desenhos de Dave McKean, a história é um passeio sobre as partes mais sombrias da alma humana e sobre a loucura. Não pretendo discutir a obra, embora a recomende, nem falar sobre seu caráter literário. Meu foco é uma determinada passagem, onde a loucura de um dos personagens é explicada da seguinte forma. "Acreditamos que ele não é louco, ao contrário, ele pode possuir uma única e rara hiperpercepção da realidade."

A idéia parece irracional não é? Dizer que um louco pode ser alguém com excesso de sanidade parece um paradoxo inconcebível. Isso não faz o menor sentido... Tem certeza?
Abaixo estão algumas das manchetes recolhidas em um único dia, durante cinco minutos de busca.

"Gorbatchev adverte para 'nova divisão' no mundo" – Folha On Line. (Em algum momento realmente estivemos unidos?)

"Japão decreta prisão de ativistas pró-baleias" – Folha On Line. (O único lugar do planeta onde você pode usar uma camiseta com os dizeres "Salve o Krill! Mate as Baleias.")

"Gado alinha o corpo em direção norte-sul, diz estudo. Para realizar o estudo, os pesquisadores observaram imagens de satélite de 8,5 mil vacas pastando ou descansando em 308 rebanhos ao redor do mundo..." – Site Último Segundo, fonte BBC. (Não creio ser necessário maiores comentários)

"Menina-bomba é presa em Bagdá" – JB On Line. (Tem alguma noção do caminho necessário para se construir uma sociedade que é capaz de levar uma menina de treze anos a conjugar o verbo explodir na primeira pessoa do singular? Não é algo fácil de obter com uma ou duas decisões erradas. É preciso tempo, toda uma política ao longo de décadas que culmina em um momento como esse)

Imagino que sim, há um sentido e que a realidade não deve ser tão irreal como parece. Deve existir uma razão, algo que confira à soma dessas ocorrências um propósito maior, tornando-as reais....

Eu apenas gostaria de um dia ser apresentado a esse algo e ver essa razão.

Comentários

Zé Raimundo disse…
Pois é Moa, não é fácil.
Acredito que essa realidade que nos é apresentada, é realmente uma simulação de uma verdade construída como única forma de realidade, imposta por aqueles que detêm o poder. Somos levados a acreditar que realmente somos livres, mas na verdade vivemos uma liberdade calculada. Desde a forma correta de se vestir até os pensamentos que devem ser evitados, tudo é minimamente calculado para seguir o roteiro desse real fabricado. Sabemos que a mídia contribui para que essa realidade seja aceita sem muitos porquês, é o que Jean Braudillard chama de hiper-realismo-midiático. Não temos como escapar, já estamos dentro dele, mas podemos questioná-lo e não aceitá-lo da forma como nos arrasta pela vida afora. aceitar as coisas como são, simplesmente pelo conforto de um cérebro sossegado e tranquilo é uma irresponsabilidade e tanto. Quanto ao outro texto que você disse ter vontade de parar de escrever, é justamente isso que "eles" querem. silenciar, seria aceitar a mordaça que nos é oferecida diariamente. Seus textos são bons demais, para ocuparem apenas o espaço de uma gaveta.
Filipe Ribeiro disse…
Mas isso levanta uma questão filosófica profunda: se não conseguimos nem ao menos imaginar esse propósito, como é que ele pode existir? Certo, se nos debruçarmos sobre outras matérias, como as ciências exatas, teríamos a impressão de que isso é perfeitamente possível. Mas a nós, de inteligência humanística... O que pode existir que nos ludibria a tal ponto? Tem um texto do Deleuze que chama a Sociedade de Controle, em que ele trata disso de maneira assombrosa. Mas o que ele faz não é mais que criar uma definição pro que já sentimos, mas não conseguimos expressar. E apesar do diagnóstico preciso, ao fim do texto a causa continua insondável. O Nietzsche tem uma dessas também, quando fala da iminência do além-homem que iria surgir, mas sem definí-lo, deixando essa tarefa aos "filósofos do porvir". A coisa mais abstrata e programada que imagino é o mercado financeiro, que funciona sem que nem os que puxam os fios saibam ao certo como. É como uma luta de boxe, mesmo que os grandes apostadores não conheçam todas as variáveis, o resultado é sempre o que eles imaginaram. Mas depois de algum tempo estudando o assunto (o mercado financeiro), ele já é pelo menos compreensível. Essa razão das coisas, não ingênua e menos ainda fortuita, é que parece algo além. Não consigo conceber que exista um grupo tão mais inteligente do que eu ao ponto das suas razões me serem tão absolutamente insondáveis. Que consigam criar um esquema tal que nem mesmo me seja dada a possibilidade de arranhar a superfície. A mínima possibilidade de compreensão, nem sequer imaginar... Aí - e não estou sendo cínico - teríamos que considerar a existência de uma inteligência supre-terrena. E - a esse ponto - eles já saberiam da nossa conversa...
Zé Raimundo disse…
Não é uma questão de inteligência supra-terrena, é uma questão de ter o controle de todas as coisas nas mãos. O mundo está sob a batuta de alguns poucos poderosos, uns inteligentes, outros burros como Bush, que diz que o Deus dos muçulmanos é diferente do deus dele. Como assim ? se historicamente eles são os mesmos!
São essas pessoas que nos comandam. Os filósofos nos desvendam "sob" esse poder, eles desmembram nosso ser, de acordo com as atitudes que tomamos sob o reflexo dessa teia calculada e tramada ao nosso redor. Os filósofos, pensadores, professores, sociólogos...não estão imunes à essa teia, onde se encontram com sapateiros, mecânicos, garis, poetas ,músicos, idiotas...Todos constroem essa realidade de acordo com o que lhes é imposto, não adianta querer dizer que estamos fora disso, nascemos nisso. A idéia de mistério é muito romântica, pra uma época em que crianças servem de bola para tentar acertar o lixo da rua (cesta!!!). Do sapato escolhido na loja, da camiseta que achamos perfeita, do cabelo que achamos que nos cai bem, do design da tela do computador, do formato do blog...tudo foi calculadamente elaborado para "você decidir" ou você escolhe esse ou aquele ou quem sabe este ou então esse aqui. Não, melhor esse, ele foi feito especialmente pra você...se parecer com todo mundo.
Criticador disse…
Por um acaso, não fui eu quem te deu essa revista do Batman? Para continuar nessa linha, digo mais: em Batman - Piada Mortal, o Coringa alega que não é preciso mais do que um dia ruim para se tornar louco. E como louco que é, talvez isso seja uma observação de alguém que seja extraordinariamente são!

Abraços!
Marveldadepre disse…
A HQ em questão é linda, assim como o trabalho desenvolvido nela, sobre a citação e os conceitos citados...acho que podemos dizer sim que um louco pode ser mais são que aquilo que é dito não-louco ou "normal". Basta citar o exemplo de quantas pessoas não foram queimadas ou mortas com idéias tidas como loucas e que era completamente verídicas. A Realidade na verdade é construída por cada pessoa, ou seja...o fato de uma pessoa achar que uma realidade por mais que seja "irreal" seja a sua realidade a torna real. Meio complexo explicado assim mas é como se cada pedaço do que você conhece fizesse parte da sua realidade, o mesmo não acontece para outra pessoa...já que cada um tem uma experiência diferente com diversas situações. Daí vem a complexidade em definir o que é real...Então sim...um louco pode muito bem ser mais são do que os ditos sãos. =D
Alê Marcuzzi disse…
Gostei bastante do texto!
Eu complementaria essa frase do Living Color que dá título ao texto com apenas mais uma "Why so serious?"
Acho super pertinente que uma pessoa tida como "louca" possa ter excesso de sanidade. É uma estrada cheia de truques essa discussão e há várias visões que podemos adotar para falar sobre esse tema controverso. Talvez a loucura seja levar tão a sério um ponto de vista a ponto de tê-lo como verdade abslouta. Usando o exemplo da ilustração, no "The Dark Knight" o Coringa é brilhante porque ele não se leva tão a sério como "vilão" como o próprio Batman se leva como defensor da justiça, e os diálogos são excelentes porque ele descontrói o Batman de forma genial. Não 'a toa, ele diz que não poderia matá-lo pois eles se complementam, sem um não existe o outro. Acho que a loucura é essa complementação constante que nós buscamos, vendo tudo de forma apenas dual (isso sim é a piada), nesse sentido a sanidade é poder enxergar a realidade como uma integração de diversas facetas de um jogo e ao invés de levar a sério o jogo e mergulhar nele como a única possibilidade, jogar sabendo que é um jogo, isso para mim é uma bela forma lucidez, mas não deixa de ser muito louco rs ;-) Abs