Com carinho, seu candidato.




Com carinho, seu candidato.



Serei tão breve quanto espero que seja o nosso relacionamento, pois mesmo tomando todas aquelas atitudes para nos aproximar, a minha intenção em relação a você é somente uma. Sei que não tenho o mínimo de capacidade para tratar destas questões sociais e também nunca me interessei por isso, acho que cada um deve que cuidar da sua vida, sempre corri atrás das coisas que queria, por isso estou nessa. Convidaram-me para participar disso, porque muita gente me conhece e a maioria vive puxando o meu saco, pois dizem que sou influente e a minha imagem ajuda. Não me venha com discursos socialistas, pois neste mundo é cada um por si, mas infelizmente neste momento preciso muito de sua ajuda. Mas não confunda as coisas, se eu tomei cafezinho, apertei suas mãos sujas, sentei na sua cadeira velha e torta, falamos sobre sua vida e necessidades que não me interessam nem um pouco, te abracei com um aperto calculado devido a seu asqueroso suor e meu terno novo, ouvi de sua boca desdentada e fedorenta, toda uma coleção de misérias e lamúrias que não pedi para que falasse. Aceitei toda essa tortura porque apenas as fotos nos jornais me interessavam. Agora você acha que sou seu amigo, que vou te arrumar um trabalho na câmara e blá, blá, blá... Que merda, não percebe que eu me esforço tanto pra passar o dia entre vocês? Será que não imagina, quando chego em casa eu tenho que tomar um banho de duas horas para me livrar desse seu cheiro de cavalo suado, como disse um dia o general Figueiredo? Será que não percebe que a única utilidade que você tem para mim, é do voto que vai me dar? É sempre a mesma coisa, de quatro em quatro anos eu tenho que enfrentar esse tormento. Bem, na verdade tem algumas compensações. Aquela sua filha é bem gostosinha, não é mesmo, seu idiota? Também ficarei quatro anos sem ver a sua cara, e isso já me dá um imenso alívio. Mas não se preocupe, pois daqui a três anos e meio quando eu for inaugurar aquele pedaço de terra horroroso que vocês chamarão de praça, enviarei convite pra toda comunidade, para que nunca deixemos de ter esse elo de amizade. Se conseguir mais alguns votos, talvez eu até arrume aquele esgoto que passa em frente da sua casa. Ah, ia me esquecendo, estou enviando o número do meu celular, para você dar à sua filha, mas somente a ela, pois tenho um servicinho bom pra sua lindinha. Não se esqueça meu caro, mal-cheiroso e invisível cidadão, amanhã você tem um dever cívico comigo e com o seu país, deixar de votar é um ato, no mínimo, de covardia e alienação. Por isso conto com você para mudar a minha vida. Tchau, até daqui a três anos e meio.
* Espero que o outro conteúdo deste envelope, seja suficiente para não se esquecer do meu número quando estiver em frente à urna.

Com carinho, seu candidato.

Ninil-Zé






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Comentários

Moacir Novaes disse…
É o que sempre quis escrever.
gostei muito zé.
Espero ansioso o dia em que textos assim não existam mais. Espero já tem uns 3.000 mil anos pela extinção deles.