Houve um tempo que todos os costumes humanos se dissiparam após a grande queda do mundo, pois era assim que os sobreviventes chamavam sua nova vida, em homenagem ao aquecimento global, antes a bolsa caia, os muros caiam, mas agora é a vez do mundo, o mundo caiu.
Muitos não agüentaram a fome, a mudança climática, o desespero de verem seus filhos morrerem de fome, não tiveram escapatória, todos estavam juntos nessa queda, todos ajudaram a alavancar esta avalanche de miséria que empurraria o mundo para o abismo. O tempo foi passando e castigando todos os causadores e omissos deste extermínio, nada foi por acaso, tiveram a colheita que escolheram, muitas cinzas da terra e sede da água. Com o tempo se adaptaram, cada um do seu jeito, é lógico. A natureza agora não era mais a amiga do homem, e sim um ser oculto, que ali viveu, ali era a sua casa, seu lar, mas ninguém a enxergava, o mundo sofreu muitas transformações, o solo não era mais verde ou marrom, era como se tudo tivesse pegado fogo. Só as montanhas não reclamavam, ficavam lá, pacientes observando tudo do alto, vendo os seres inteligentes se devorarem, voltando-se para o partido do vilão, este há muito tempo entrou sorrateiramente na vida de cada um, fazendo comprar automóveis, mesmo sem condições de usá-lo, ou trocar a natureza verde por uma de concreto.
Mas o que mais chamou a atenção dessas montanhas inertes a tudo, foi o diálogo entre dois homens que se encontraram em meio aquela ventania de poeira que acontecia lá na baixada. Um dos homens, que havia a muito fugido de sua terra a procura de alimento, largando o que sobrou de sua família indo atrás de terras novas, nesta baixada, encontrou um homem, sujo, mal podia enxergar por causa da poeira, o outro, bem mais alto e com mais massa carnal, chegou ofegante, assustado, como se estivesse fugindo de algo.
Feliz por encontrar alguém, o forasteiro imediatamente foi ter umas palavrinhas com ele, talvez houvesse alimento ali. Mal o forasteiro chegou perto e o outro ameaçou pular agressivamente em seu encontro.
FORASTEIRO: Calma! Eu vim em paz, só estou atrás de comida e bebida.
OUTRO: Então você veio ao lugar errado, não há mais insetos, animais e muito menos humanos para o seu tamanho.
FORASTEIRO: Como assim do meu tamanho? A comida aqui é dividida pelo tamanho do faminto?
OUTRO: Não, não dividimos nada por aqui, mas o tamanho da pessoa é fundamental para que ela se alimente.
FORASTEIRO: E eu que achava que o pessoal da minha terra era egoísta, tudo bem, vou pegar o meu caminho, não se preocupe que não vou te incomodar mais, agüento até achar um pouco d’água.
OUTRO: Não é possível, sinto muito, não posso te deixar ir, seria contra todos os princípios da evolução humana.
FORASTEIRO: Como assim? Principio de evolução? Olha não quero roubar nada de vocês, só quero alimento, me desculpe também ter te incomodado mas preciso ir.
OUTRO: Em que mundo você vive? Você não entendeu nada, se eu te deixar ir, logo ali na frente eu morro!
FORASTEIRO: Morre? Olha eu vim sozinho, não tem ninguém comigo tá, ninguém vai te assassinar.
OUTRO: Eu sei que ninguém vai me assassinar, mas o problema é você, vão assassinar você!
FORASTEIRO: Como assim?
OUTRO: Olha, você é cheio de perguntas, mas te explico. Quando você sair daqui, com certeza alguém vai te comer, sendo assim, eu vou estar fraco, já que não comi nada, então esta pessoa que comeu você irá me encontrar um dia, e com certeza estará mais forte, já que se alimentou, então eu não vou ter forças para lutar com ele, daí ele me come também.
FORASTEIRO: Então vocês viraram canibais? Como conseguem se alimentar de pessoas, cuja algumas com certeza tem uma família para tentarem sobreviver?
OUTRO: Isto mesmo! Sobreviver é esta a palavra, como você deve ter percebido a maioria está migrando para outros locais, assim como você, pois não há água muito menos comida, sendo assim, esqueça esta coisa de família, não existe mais grupos, é cada um por si agora.
FORASTEIRO: Não, você está errado, tem que haver uma outra forma de sobreviver, não teremos mais filhos, deste modo não haverá mais humanos na terra!
OUTRO: Meu caro, gostei de conversar com você, inclusive faz tempo que não converso com ninguém, mas infelizmente matamos nossa sede do sangue do mais fraco e nossa fome de sua carne, muitas vezes já contaminadas por outros “alimentos” já putrificados, não há escolha, se eu não te comer, você será obrigado a fazer o contrário comigo, esta é a regra, o mais forte se alimenta do mais fraco, a não ser que queiramos morrer de fome e sede.
A montanha olhou aquilo com desdém, já era comum, o vento bateu em seu cume fazendo-a observar outro caso parecido do outro lado.
Rodolfo Santiago
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