Cena 17

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Amanhece e a mãe de Fátima dobra roupas em cima do sofá.

Fátima abre a porta, coçando o olho.

Fátima – Bom dia!

E nota quando sua mãe vira-se para ela, cheia de piedade.

Fátima – Que foi mãe?

Mãe – Ah, minha filha...

Ela tenta abraçar Fátima, que se desvencilha.

Fátima – Que aconteceu?!

Ela aponta prum envelope equilibrado em cima do sofá e leva-o para a filha.

Mãe – Aquele menino, o Arthur, veio aqui te entregar isso. Eles tão se mudando hoje, e ele queria te entregar essas coisas...

Fátima (sem abrir o envelope) – Quando ele veio aqui?

Mãe – Hoje, bem cedinho. Ele não queria incomodar.

Fátima segura o envelope com as duas mãos e por um momento não sabe pra onde ir. Hesita, volta-se em direção ao quarto, mas desiste.

Mãe – Ah filha... Eu falei pra você...

É quando ela solta o envelope e sai pela porta. Primeiro, andando, depois correndo. Sobe na bicicleta. E pedala em direção à casa de Arthur. Com a respiração alta, ela cruza a cidade o mais rápido que pode.

Até que chega à casa de Arthur. Salta da bicicleta e corre para a janela.

Fátima – Arthur!

Lá dentro, os móveis cobertos por lençóis. Ela dá uma volta na casa, como se o procurasse escondido. Ela não acredita no que vê.

Começa então a perder o ar. Volta a se debruçar na janela com as mãos em concha contra o vidro, e só então parece perceber. A casa está vazia. Deixa escapar um suspiro. Ao respirar junto ao vidro, forma-se uma palavra na transparência embaçada.

“Tchau”

Ela prende a respiração. Rapidamente expira no quadradinho de vidro ao lado.

“Desculpa. Eu te amo”

É então que ela percebe que ele tinha ido embora.

Segura o estômago, sufocando violentamente, como se uma dor aguda transtornasse seu rosto numa careta. E chora, sem conseguir respirar, como uma criança chora desesperada, mas quieta. Tenta rezar.

Tanto os urros ocasionais quando a queda no chão e o jeito de cobrir os olhos com as mãos parecem rigorosamente desajeitados, por ser essa a maior dor que já sentira até então.



Cena 18


Arthur leva o lenço à boca. Por um momento perdido no quarto, se recompõe e põe o lenço no bolso. Tira o gravador e liga.

Arthur – Apesar da artificialidade que se instaurou entre nós na época, e de eu não acreditar em Deus como você, se fosse Deus teria feito você exatamente daquele jeito, sem nenhuma diferença.

Se arrepende de ter gravado aquilo, guarda o gravador. Anda até a sala sem olhar pra trás.

A mãe de Fátima está sentada na poltrona de olhos abertos. Arthur não é notado, e trata de esconder rapidamente o diário debaixo da camisa. Esgueira-se para a porta, tentando não ser notado.

Mãe (virando-se) – Oi... Achei a caixa...

Arthur muda a direção dos passos, como se estivesse indo até ela desde sempre.

Mãe (que traz a caixa no colo) – É essa aqui?

Arthur inclina-se e toma a caixa nas mãos. A mãe de Fátima suspira por um segundo, como se algo tivesse sendo tirado dela. Faz menção a retê-la, mas desiste.

Arthur assente afirmativamente.

Arthur (balbucia) – Brigado.

E antes que ela possa reagir, agarra a caixa e desliza apressadamente em direção à porta.

Mãe (olhando para o vazio) – Eu sei que eu fiz tudo errado...

Arthur se detém, já fora do campo de visão.

Mãe - O problema das mulheres da minha laia é que elas têm útero.

Arthur assente novamente. E vira-se.

Quando a mãe de Fátima volta-se para pedir um último favor, ele já se fora.

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