Cena 19

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A luz giratória dos carros de polícia varre o escuro de vermelho.

As luzes se acendem. Um corpo nu de mulher jaz ensangüentado num embrulho de plástico. Seus cabelos loiros secos com o sangue encobrem o rosto.

Ao redor, dois policiais trabalham. Um tira fotos. O outro toma notas num bloco de papel. Roberto está ao seu lado, e conversa com ele. O policial lhe passa um celular num saco plástico. Roberto checa o celular e assente com a cabeça.

Ele se afasta enquanto os policiais rondam ao redor do corpo e tira o seu celular do bolso.

Roberto – Arthur? Eu tô aqui ao lado da última vítima do Tubarão da Dutra. Tá fresca ainda, a testemunha disse que o viu há menos de vinte minutos. A polícia cercou a área, devem estar pegando ele nas próximas horas. Tô com o celular já, da outra vítima, foi oitocentos reais... Vai ser o crime do século, cara!... Me liga assim que pegar essa mensagem, tem outra coisa que preciso falar com você... Um abraço.

E desliga.



Cena 20


Na sala da mãe de Fátima, dois policiais se sentam de costas para a platéia.

Mãe – Tá com muito açúcar?

Policial – Não, tá ótimo.

Mãe – Bom... (inspira) – Nessas cidades levam anos pra descobrir quando você é uma vagabunda... Porque você toma cuidado... Esse é o tipo de coisa que se esconde... E quando descobrem, não tem jeito, você tem que ir embora pra outra.
Mas a Fátima não... Em pouco tempo todo mundo já falava... Ela era uma menina desastrada. Ela sempre teve aquela falta de jeito das putas, que mal tocam o afeto e já o perdem. Acho que ela nem sabia que era uma vagabunda...

(silêncio)

Mãe (fazendo menção de levantar-se) – Vocês querem ouvir música?

Policia – Não, brigado, tá ótimo... A senhora... A senhora reconhece esse homem aqui?

E estende uma foto a ela, que reage embasbacada.

Mãe – Ele tava aqui agora pouco!



Cena 21


Fátima entra apressada. Fecha a porta atrás dela e joga a bolsa na cama. Senta ajeitando o vestido e ajeita o cabelo, como se alguém fosse entrar a qualquer momento.

Sua mãe abre a porta.

Fátima – Oi mãe.

Mãe – Fátima?

Fátima – Oi...

Mãe – Onde você tava?

Fátima – Eu fui na festa da Isabela. De aniversário?

Mãe – Aniversário?

Fátima – Aniversário da Isabela, na casa dela... Eu te falei, lembra?!

Mãe – Não...

Fátima – Ô mãe, eu tô falando dessa festa desde a semana passada...

Mãe – Não lembro... Mas e aí, foi legal, se divertiram?

Fátima – Ai mãe, foi ótimo... Tava todo mundo da classe... A Isabela tava tão linda!

Mãe – Que bom filha...

Fátima – Foi muito bom...

Mãe – Que bom... Me lembra amanhã, eu preciso que você vá até a cidade pagar uma conta pra mim no Bradesco.

Fátima – Tá...

Mãe – Tá em cima da mesa, amanhã me lembra de deixar o dinheiro.

Fátima – Tá bom, mãe. Pode deixar que eu lembro.

Mãe – E de resto, tudo bem?

Fátima – Tudo, tudo ótimo... Tô cansada só...

Mãe – Eu imagino... Descansa então filha, também vou dormir. Boa noite.

Fátima – Boa noite mãe, dorme com Deus.

Mãe – Até amanhã...

E fecha a porta com delicadeza. Na cama, Fátima continua virada para a porta, como se a mãe ainda estivesse lá.

Abre o fecho do vestido, de ponta a ponta, e deixa que ele caia desnudando suas costas brancas, sulcadas por horríveis cicatrizes ainda úmidas.

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