.
No escuro, barulho da tempestade enquanto toca a música.
À esquerda do palco, a mãe de Fátima acende uma vela em cima do fogão. Uma lufada de vento toca seus cabelos e apaga a vela.
No centro, um dos policiais acende a vela enquanto interrogam o Tubarão da Dutra. Ele se inclina à chama algemado com o cigarro na boca, e o acende. Lambe a ponta do dedo e aperta a chama. Essa também se extingue.
Na direita do palco, Letícia acende a vela sentada no chão. Enxuga os olhos marejados, e olha para a escuridão do teto.
Letícia – Ah, Fátima! O que foi que a gente fez?!
Arthur entra pela porta, encharcado. Letícia tira o rosto do foco tênue da luz e esfrega as lágrimas.
Arthur – Da última vez que choveu assim... A cidade tá um breu!
Letícia – A caixa, Arthur.
Arthur - A caixa é mais importante do que o que tem dentro?!
Letícia – Claro que não, era o segredo da vida dela...
Arthur – (provocando) E você pretende abrir a caixa?!
Letícia – É claro! Assim que o chaveiro abrir, na segunda... Mas antes eu queria vê-la...
Arthur – A caixa?
Letícia – É...
Arthur – Vale a pena perder o emprego por isso?
Letícia – Vale... – e fica em silêncio.
Letícia – Tinha mais alguma coisa além da caixa?
Arthur (hesita) - ... Não. O que mais você tirou da Fátima além do jeito que você fala e anda?
Ela não responde. Nem se importa agora. E quando fala, é com ela mesma.
Letícia – Me sinto aqui de novo... Mas agora viajando, nessa cidade... Mesmo querendo eu penso nas coisas do dia a dia. Do trabalho, no que eu disse pro chefe... No que eu teria dito se tivesse tido tempo pra pensar... Me sinto aqui, mas o dia a dia... Na boa, há muito mais que isso! Eu senti isso uma hora, como tem muito mais... Agora passou... Mas tem, mesmo assim!
Arthur – Você nunca deveria ter saído daqui...
Aqui ele vai para o outro cômodo e liga para a secretária.
Arthur – Cíntia, tudo bom? Eu preciso que você consiga um item pra mim, com a máxima urgência. É um relógio.
Agora só sua boca se move. Desliga e volta.
Ele vai até o ponto onde a caixa está e traz para Letícia. Sentada, ela segura a caixa no colo, entre os joelhos.
Letícia (virando-se para ele, sem orgulho) – Tinha mais alguma coisa além da caixa?
Arthur (hesita) - ... Não.
Letícia – Você falou com a mãe dela?
Arthur – Falei.
Letícia – Você entrou no quarto dela?
Arthur – Entrei.
Letícia – E aí?
Arthur – Aí nada... Tava limpo, tinha bem pouca coisa... Bem impessoal.
Letícia – E a mãe dela, sabe onde ela tá?
Arthur – Não.
Letícia – Ela acha que a Fátima pode estar morta?
Arthur – Não perguntei. Mas eu duvido que não exista nada dela na rede, no orkut ou no google. Sob um nome que eu nunca vou achar.
Arthur vai até a mesa e pega as chaves e a carteira.
Letícia – Tendo morrido ou não, pra mim ela já é mais constante que o vento que passa, mesmo quando ninguém sente, desde lá da serra, e junta poeira aqui dentro.
Arthur – Eu não acredito em fantasma – e sai.
Letícia (sozinha) – O fantasma de Fátima assombra Teresópolis.
As luzes se apagam...
No escuro, barulho da tempestade enquanto toca a música.
À esquerda do palco, a mãe de Fátima acende uma vela em cima do fogão. Uma lufada de vento toca seus cabelos e apaga a vela.
No centro, um dos policiais acende a vela enquanto interrogam o Tubarão da Dutra. Ele se inclina à chama algemado com o cigarro na boca, e o acende. Lambe a ponta do dedo e aperta a chama. Essa também se extingue.
Na direita do palco, Letícia acende a vela sentada no chão. Enxuga os olhos marejados, e olha para a escuridão do teto.
Letícia – Ah, Fátima! O que foi que a gente fez?!
Arthur entra pela porta, encharcado. Letícia tira o rosto do foco tênue da luz e esfrega as lágrimas.
Arthur – Da última vez que choveu assim... A cidade tá um breu!
Letícia – A caixa, Arthur.
Arthur - A caixa é mais importante do que o que tem dentro?!
Letícia – Claro que não, era o segredo da vida dela...
Arthur – (provocando) E você pretende abrir a caixa?!
Letícia – É claro! Assim que o chaveiro abrir, na segunda... Mas antes eu queria vê-la...
Arthur – A caixa?
Letícia – É...
Arthur – Vale a pena perder o emprego por isso?
Letícia – Vale... – e fica em silêncio.
Letícia – Tinha mais alguma coisa além da caixa?
Arthur (hesita) - ... Não. O que mais você tirou da Fátima além do jeito que você fala e anda?
Ela não responde. Nem se importa agora. E quando fala, é com ela mesma.
Letícia – Me sinto aqui de novo... Mas agora viajando, nessa cidade... Mesmo querendo eu penso nas coisas do dia a dia. Do trabalho, no que eu disse pro chefe... No que eu teria dito se tivesse tido tempo pra pensar... Me sinto aqui, mas o dia a dia... Na boa, há muito mais que isso! Eu senti isso uma hora, como tem muito mais... Agora passou... Mas tem, mesmo assim!
Arthur – Você nunca deveria ter saído daqui...
Aqui ele vai para o outro cômodo e liga para a secretária.
Arthur – Cíntia, tudo bom? Eu preciso que você consiga um item pra mim, com a máxima urgência. É um relógio.
Agora só sua boca se move. Desliga e volta.
Ele vai até o ponto onde a caixa está e traz para Letícia. Sentada, ela segura a caixa no colo, entre os joelhos.
Letícia (virando-se para ele, sem orgulho) – Tinha mais alguma coisa além da caixa?
Arthur (hesita) - ... Não.
Letícia – Você falou com a mãe dela?
Arthur – Falei.
Letícia – Você entrou no quarto dela?
Arthur – Entrei.
Letícia – E aí?
Arthur – Aí nada... Tava limpo, tinha bem pouca coisa... Bem impessoal.
Letícia – E a mãe dela, sabe onde ela tá?
Arthur – Não.
Letícia – Ela acha que a Fátima pode estar morta?
Arthur – Não perguntei. Mas eu duvido que não exista nada dela na rede, no orkut ou no google. Sob um nome que eu nunca vou achar.
Arthur vai até a mesa e pega as chaves e a carteira.
Letícia – Tendo morrido ou não, pra mim ela já é mais constante que o vento que passa, mesmo quando ninguém sente, desde lá da serra, e junta poeira aqui dentro.
Arthur – Eu não acredito em fantasma – e sai.
Letícia (sozinha) – O fantasma de Fátima assombra Teresópolis.
As luzes se apagam...
Cena 25
... e ouve-se uma risada histérica de adolescente.
Letícia e Fátima no quarto dela se matam de rir. Elas se espremem junto ao espelhinho onde Letícia se maquia.
Letícia (rindo) – Pára, pára...
Elas param. Letícia pega o batom. Fátima faz uma cara besta, puxa a manga da blusa e cobre o nariz e solta um pio de curuja.
Fátima – Ô!
Explode a risada de novo.
Letícia – Cala boca sua vaca!
Fátima (retardada) – Tem!
Elas caem no chão.
Fátima (mais retardada, imitando alguém) – Onde, meu deus?!
Elas têm um acesso.
Letícia – Tô chorando!
Fátima – Não!!!
E volta.
Letícia é a primeira a se recompor.
Letícia – Sério, deixa eu terminar, porra...
Fátima fica calada do seu lado. Se olham. E riem.
Letícia – Pára caralho!
E volta ao espelho. Fátima já está pronta. Ela mexe no xale estendido na cama, mas desiste.
Letícia termina o batom e se olha em vários ângulos. E pára, contemplativa. Coça o seio por baixo da blusa.
Letícia (séria) – Alguém se masturbou pensando em mim.
Fátima – Quem?
Letícia dá os ombros, quando a imagem vem à sua mente. Ela faz uma careta.
Letícia – AH!!
Elas se matam de rir. Fátima pula nela como um monstrinho lambendo seu pescoço. Letícia grita e tenta evitar. Fátima desata seu soutien.
Letícia – Sai!!!
Fátima continua, enquanto Letícia segura a alça pra não cair. Fatia lambe seu rosto. E Letícia dá uma lambida na língua de Fátima, que grita. Fátima belisca seu peito e foge.
Letícia – Sai!
E volta a passar o rímel. Fátima sossega. Letícia dá o último toque. Está pronto.
Letícia – Tô linda... Eu vou casar com o cara que inventou o rímel!
Fátima faz algo atrás da cama e vem para perto de Letícia com a boca cheia. Fica olhando pra ela, quase grudada. Letícia olha e ri.
Letícia – Que foi?
Fátima esguicha água na sua cara perfeita.
Letícia – Ahh, filha da puta!
E corre atrás dela.
Cena 26
Arthur folheia o diário no outro canto palco, por um segundo, até se apagarem as luzes nele novamente e voltarem pra Fátima, que anda de trás pra frente em direção à bicicleta.
Ela sobe e pedala ao contrário. Desce da bicicleta e volta pro mesmo canto onde estava Letícia, mas agora escuro e vazio. A janela da casa de Arthur. Ela senta sobre suas pernas e enterra a cabeça entre os joelhos.
Dois segundos depois levanta a cabeça, e empunha uma tesoura longa e afiada. Puxa seus cabelos num rabo de cavalo e corta-o com a tesoura. Joga a mecha no chão e de novo anda de costas para a bicicleta.
Pedala novamente ao contrário, agora por mais tempo.
Desce e vai de costas até a cama, tirando toda a roupa. Engatinha de costas pela cama. E deita, sobre Arthur, que descansa semi-nu com as costas na parede.
Quando as luzes se acendem completamente, ela está deitada no seu corpo transversalmente. Ela joga um mini-game, envolta num lençol, com os pés inquietos.
Fátima (infantil) – Tô com frieira?
Ele examina, dedo por dedo.
Arthur – Não...
Fátima – Não é aí, é embaixo.
Arthur – Tem um comecinho aqui, mas não tá aberta...
Fátima – Eu não seco o pé... Acho chato! – diz com sua perplexidade falsa e graciosa e adolescente e sensual.
Arthur – Você não faz nada.
Fátima – É chato fazer coisas...
Ele ri.
Fátima – Né?
Arthur – Hum hum.
Fátima –Eu odeio!...
Arthur se move insidiosamente sobre ela.
Arthur – Você é maravilhosa...
Fátima (ri, sem tirar os olhos do mini-game) - Maravilhosa... Que palavra esdrúxula!
Ele a agarra em seus seios.
Fátima – Sai! Eu vou morrer!
Ele pára. Ela dá uma graciosa olhadela por cima do aparelhinho. Ele beija sua barriga, descendo.
Fátima – Vai se vestir!
Arthur (parando) – Me visto em dois segundos.
Fátima – Um, dois. Não se vestiu...
Ele levanta e pega as roupas, não sem antes mordê-la.
.
Comentários