Cena 4

O telefone toca. As luzes se acendem. No telão, a tela do computador mostra a jovem portuguesa que morreu afogada.

Arthur está debruçado na mesa, dormindo sobre o computador. O telefone toca. Acorda, pigarreia ao lado do copo de whisky quase vazio e atende o telefone.

Arthur – Alô...

Voz (brônquica, respira pesadamente) – Roberto Alves?

Arthur – Não, aqui é o Arthur, sócio dele.

Voz (irônica) – Sócio dele?!

Arthur – Quem fala?

Voz – O Roberto está na empresa?

Arthur – Não, ele ainda não chegou...Quem é?

Voz (hesita) – Ele sabe quem é – Fica por mais um instante na linha, com sua respiração congestionada e desliga.

Arthur pára diante do telefone. Desliga e disca. Chama, chama e caí na caixa postal.

Voz do Roberto - Aqui é o Roberto Alves. Deixe seu recado.

Arthur – Roberto, ligaram aqui no escritório procurando por você, mas não deixaram recado. Eu to indo pra Teresópolis, volto na segunda. Não consegui terminar o negócio da menina do celular. Deixei o memorando em cima da mesa, nem mexe, quando eu voltar eu cuido disso... E cara, evita ir pra São Paulo nesse fim de semana, tem muito coisa aqui, e deixa que o advogado resolve. Melhor a gente não se expor. É isso meu velho, se cuida beleza? Um abraço!

Arthur desliga o telefone e limpa o suor da testa.

Volta-se para o computador. Aproxima a foto da portuguesa, na boca e nos olhos. Dá um zoom out. Desliga o computador.

Mexe nas gavetas. Pega um cueca e uma meia. Enquanto troca de camisa, procura pelas últimas ligações tecla redial e põe no viva voz.

Letícia – Alô?

Arthur – Letícia?

Letícia – É ela.

Arthur – Aqui é o Arthur do Anuário dos Pequenos Objetos, você teve aqui ontem.

Letícia – Ah, Oi.

Arthur – Tudo bem?

Letícia – Tudo. Escuta, melhor deixar isso pro mês que vem...

Arthur – Não, não, esquece isso, não foi por isso que eu liguei. Tô indo pra Teresópolis hoje, você quer ir comigo?

Letícia – Pra Teresópolis? (ri) Como assim, cê tá me oferecendo carona, é isso?

Arthur – Não, não tô indo atrás da tal caixa que você me falou...

Letícia – (suspira irritada) – Olha já disse que não posso/

Arthur – Esquece o contrato! Eu tô indo por minha conta! Letícia, qual era exatamente sua relação com a Fátima?

Letícia – Como?

Arthur – Quão próxima você já foi dela?

Letícia (dá os ombros) – Eu era a melhor amiga dela. Eu acho!

Arthur – Melhor amiga?

Letícia – Não que ela tenha me dito isso, mas acho que era...

Arthur – Entendo.

Letícia – Ela não tinha muitas...

Arthur – Perfeito...Letícia, eu tô indo hoje pra Teresópolis e gostaria muito que você fosse comigo. Você é o último elo com a Fátima. Preciso que vá comigo pra saber onde ir, com quem falar... Eu saí de lá há muito tempo.

Letícia – Eu também.

Arthur – Não vou pedir pra você assinar nada...Seria um favor que você me taria me fazendo.

Letícia (ri) – Favor?! E o que eu ganho com isso?

Arthur – A sua caixa. Pode ficar com ela. E com o que tiver dentro.

Letícia – Olha, Arthur... Eu nem sei porque fiz isso, foi uma bobagem minha... Melhor deixar as coisas como tão. Mas brigada. Desculpa ter tomado o seu tempo.

E desliga.

Arthur termina o nó da gravata ao som de linha do viva voz.

As luzes se apagam.



Cena 5


E logo se acendem. Arthur, já de paletó aperta o interfone.

Porteiro – Pois não?

Arthur – Queria falar com a Letícia, aquela loirinha, de tênis.

Faz a altura dela com a mão.

Porteiro – Juliana, Letícia, loirinha... 304! – Pega o interfone e disca – Seu nome, por favor?

Arthur – Arthur

O interfone toca, mas ninguém atende.

Porteiro – Ela não se encontra.

Arthur – Tá certo, brigado.

Quando se vira ouve a voz dela no interfone.

Letícia – Alô.

Arthur – Letícia?

Letícia – É ela.

Arthur – Letícia, é o Arthur.

Letícia – Arthur, como é que você (me achou aqui) sabia aonde eu morava?

Arthur – Eu acho coisas. Tô indo, passei pra te buscar.

Silêncio.

Arthur – Não vai me deixar subir?

Letícia (decidida) – Peraí que eu já desço.



Cena 6


Os dois já dentro do carro. Arthur dirige, enquanto Letícia se mantém calada. Ela suspira, e mexe nervosamente nas mãos, checando as unhas.

Arthur - Que foi? Quer parar num posto?

Letícia – Não... Meu chefe vai me matar...

Arthur – Meu irmão é médico, a gente providencia um atestado.

Letícia – Ele não acredita em atestados.

Arthur – Legalmente isso não faz diferença.

Letícia vira os olhos. Arthur a entendia.

Arthur – Tem ido pra Teresópolis?

Letícia – Tem mais de dez anos que eu não vou praquela cidade. Aliás, foi bem a última vez que vi a Fátima, foi na plataforma.

Arthur (brincando) – Será que a gente acha ela ainda lá, na plataforma?

Letícia (séria) – Na de Teresópolis com certeza, não... Se bem que eu tenho a impressão de que foi por lá que ela escapou, pela rodoviária... (silêncio) Ela deve ter visto o mesmo que eu vi.

Arthur – Eu também. Escuta, posso te fazer uma pergunta pessoal? (Letícia assente) Porque é que você nunca mais foi pra lá?

Letícia – Depois de tudo, não tinha mais nada lá pra mim que eu quisesse voltar pra ver.

Arthur – Entendo.

Letícia – E você? Costuma ir pra lá às vezes?

Arthur – Não... Pelo mesmo motivo.

Letícia – Escuta... Onde é que a gente vai ficar?

Arthur – Então, tava pensando nisso agora. Onde você quer ficar?

Letícia – Eu tenho umas amigas lá.

Arthur – Não, não, eu quis dizer: em que hotel você quer ficar?

Letícia – Cê que sabe! Não conheço muito os hotéis de lá... Não tenho preferências... O que você achar melhor.

Arthur – Pode ser o Hotel do Golfinho?

Letícia – O Hotel do Golfinho? (ri) Nossa! (recompondo-se) Eu perdi minha virgindade lá.

Arthur – É mesmo?

Letícia – Tô brincando.

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