Cena 9

.

Arthur – Alô Edson? Fala Punk, é o Arthur, lembra?!

Punk - Arthur! Caralho cara, como é que cê tá?

Arthur - E aí Punk...Tô bem cara, e você?!

Punk - Que cê veio fazer aqui, tá em Teresópolis?

Arthur - Tô, vim passar o fim de semana aqui. Escuta. Você lembra da Fátima?

Punk – Opa, da Fátima? Que não lembra?!

Arthur - Opa, quem não lembra, né? Você sabe onde eu posso encontra – la ?

Punk - Ih, cara, mas cê foi embora faz tempo mesmo hein?! A Fátima saiu daqui ha muitos anos, foi embora com um cara, depois voltou, ficou um tempo, sumiu de novo...

Arthur (torna-se sério) - Certo...

Punk - Ih cara, na boa, quer um conselho?! Esquece essa mina!

Arthur - Já esqueci dela faz tempo. Mas não é pra mim que eu tô procurando.

Punk – Pô cara, não sei se alguém sabe onde ela tá não... Aqui é que ela não tá! Mas na boa, essa mina já era!

Arthur – Entendo.

Punk – Na boa cara, a mina mudou muito desde o primeiro colegial...Todo mundo, eu acho. O Zé teve filho logo depois, o Fabrício tá preso por tráfico de drogas.

Arthur – Na boa Punk, eu tenho que desligar que esse telefone não é meu.

Punk - Beleza cara. Mas cê vai embora quando?

Arthur – Eu volto domingo pro Rio.

Punk – Porra, vem me ver! Eu tô com um carrinho à noite, na esquina dos postos com a avenida!

Arthur – É mesmo? Que legal cara!

Punk – Vem me ver!

Arthur – Oh, lógico! Passo lá hoje pra comer um lanche e bater um papo.

Letícia entra no quarto.

Arthur – Beleza Punk! Até mais meu velho!

Letícia – Negócios?

Arthur – Negócio da caixa... Fiz umas ligações.

Letícia – Descobriu alguma coisa?

Arthur – Não muito.

Letícia – E onde é que ela tá?

Arthur – Ainda não sei. E você, onde cê tava?

Letícia (mostrando o relógio com orgulho) – Eu fui no relojoeiro trocar o vidro.

Arthur – Ah.

Letícia – Foi a Fátima que me deu, de presente.

Arthur (interessado) – É mesmo? De aniversário?

Letícia – Não, de nada! Eu tava triste, ela tirou e me deu. Era dela.

Arthur – Deixa eu ver?

Letícia (tirando o relógio e estendendo para ele) – É um Givenchy! Ela disse que ninguém que use um Givenchy pode ser um bosta! Veio até com uma cartinha que eu não sei onde tá, mas decorei toda.

Arthur – E dizia o quê?

Letícia (suspira, esforçando – se para não errar) – “Letícia, falhei com você de novo! Sempre que se sentir desse jeito eu quero que olhe pro Givenchy e lembre dessa carta. Porque é disso que consiste o mundo: de se armar de ferramentas e de se cercar de garantias pra que não pisem em você! Você já é tudo isso, e um dia vai ter todas. Mas quando duvidarem, use o relógio. Esse mundo é uma guerra. Mas você e eu, nós estaremos sempre juntas. E vai sempre ter em mim uma amiga e aliada – Fátima”

Arthur (suspira) – Uma hora parece que eu ouvi a boca dela se mexendo... Mas era isso que tava escrito?!

Letícia – Exatamente isso, palavra por palavra. Eu li isso mil vezes, tenho essa carta de cor!

Arthur – “De cor”...É do latim, sabia?! “De coração”...Saber alguma coisa de cor, é lembrar daquilo perfeitamente de coração!

Letícia – Nossa, que lindo!

Arthur – Em inglês é “By Heart”...Eu tenho dificuldades para decorar as coisas, minha memória é uma bosta! Não sei nada de cor, nem um poema! Acho bonito quem tem.

Letícia – Você não lembra de nada de cor?! Impossível, duvido!

Arthur – “Perfeitamente” de nada, só imagens, situações, mas isso não dá pra checar.

Letícia (nostálgica) – Mas essa história do Givenchy...

Arthur (devolvendo o relógio) – Só que isso não é um Givenchy. É uma falsificação grosseira. (levanta – se) Mas é uma história belíssima!

Letícia toma de volta seu relógio e o aperta contra o peito.

Arthur – Tenho que ir...Até mais tarde!

E sai, deixando pra trás o vazio que os repórteres deixam ao ir embora.

Letícia derrama uma lagrima incrédula, totalmente absorta. Ela fecha os olhos e beija repetidas vezes a pequena peça em suas mãos.

.

Comentários