Ervas Daninhas





Ervas Daninhas - Alain Resnais

O último filme de Alain Resnais, “Ervas Daninhas” é decididamente um dos melhores filmes do ano que se passou. O filme traz os costumeiros elementos que permeiam a obra do autor, como aquela angústia existencial, o humor peculiar e a fuga do óbvio. Como muitos vão ao cinema esperando um final esclarecedor e decisivo, ouvi muitas reclamações na saída da sala. Claro que Resnais sabe muito bem o que está fazendo e não faz concessão ao cinemão. Resnais sempre teve uma poética diferenciada, não é á toa que seu filme mais amado "O Ano Passado em Marienbad" é considerado um dos maiores clássicos do cinema francês e é totalmente incompreensível, mas é impossível não amar todas aquelas imagens. O filme começa magistralmente mostrando as ervas daninhas se apoderando das frestas das calçadas e do concreto em geral, a câmera acaba focando os passos dos transeuntes, isso desmorona minha antecipada conclusão sobre o nome da planta que no Aurélio é definida como “Erva que nasce no meio de certas plantas cultivadas, prejudicando-as”. A partir daí começamos a ter contato com a primeira personagem: Marguerite, que tem pés estranhos e precisa de calçados especiais que só encontra em determinada loja. Ao sair da loja ela é assaltada e acaba devolvendo o sapato para poder ir embora pra casa. O outro personagem Georges, surge no estacionamento, no qual acha a carteira da vítima vazia do teor almejado pelo ladrão, mas ainda com os documentos.
Ele descobre o telefone de Marguerite e tenta contatá-la para devolver a carteira, mas sem sucesso, resolve ir à polícia e acaba deixando a carteira na delegacia. Marguerite liga de volta para agradecê-lo, mas ele pensou que ela gostaria de conhecê-lo e começa a persegui-la. A partir daí o efeito erva daninha começa a ser sentido, na verdade George não é a erva daninha como pode se pensar, trazendo tormentos à vida de Marguerite.
Aos poucos vamos tendo acesso ao cotidiano dos dois e percebemos que são muito infelizes: Georges é casado com uma mulher que o trata como um empregado, pois só se nota que é realmente seu marido quando a filha “dela” o chama de pai. Outro motivo que nos deixa em dúvida, é da aparência, ele parecia o pai de sua esposa. Marguerite é dentista, vive só e gosta de pilotar aviões, tanto que até comprou um antigo e o reformou; a meu ver trata-se de uma metáfora sobre a conquista da liberdade de um mundo que a comprime cada vez mais. Não estou entregando toda a história do filme, pois essas coisas apenas envolvem a questão essencial que Resnais quer tratar.
A erva daninha como ele mostra no início ou até no cartaz do filme não é aquela que prejudica outras plantas, mas aquela planta que nasce em meio ao concreto, resistindo heroicamente aos massacres diários e que racha o concreto, permitindo à outra renascer. Na verdade a erva daninha é o próprio amor que tenta a todo custo estar presente na vida dessas pessoas e assim como fez Garcia Marquez no livro “Memórias de Minhas Putas Tristes” no qual o amor visitou uma pessoa mais velha, o que é tido como estranho numa sociedade onde o amor é sempre jovem.
As ervas daninhas também são essas pessoas que incomodam aqueles que distribuem o percurso da vida em camadas, cada qual com seu tempo determinado pelas leis sociais que aprisionam as pessoas no simulacro, destituindo-as do tempo contínuo que não pode ser parcelado ou medido, privando-as de questões essenciais através de regras morais estruturadas no poder nocivo das religiões e de uma moral hipócrita. O filme acaba um tanto pessimista, na verdade quis dizer realista, que é uma virtude entre “nós” ervas daninhas que desconhecem o tempo certo de se amar. Ser realista não quer dizer aceitar a realidade da maneira que ela é, mas sim ter consciência de que se as coisas assim estão, é devido ao percurso que tomaram e não se deve ignorá-los. Alain Resnais tem consciência dessas questões, não as ignora e não as facilita em nome apenas da emoção.


Ninil Gonçalves





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