Matéria Escura.


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Eu não gosto de dizer isso.
Peço desculpas, sinceras desculpas.
A todos que vieram antes e a todos que virão depois de mim.
A todos que acreditaram ou que irão crer.
Ser.
Únicos.
Indivisíveis.
Essenciais e especiais.
Me desculpem por ser eu a dizer isso.
A poesia não é criação de vocês.
Considero realmente que não fui o primeiro a falar, pensar ou discutir isso.
Então me perdoe por ecoar.
Me absolva por duvidar e dividir.
Me desculpe se tento entender qual a origem e função da poesia.
Me permita ser.
Translúcido com você e tornar-me compreensível.
A poesia não existe por nossa causa.
Nem é a poesia que nos torna humanos, ela não é nossa escrava.
Vê-la como um produto da existência humana é limitá-la.
Pense.
Se um dia nossa civilização desaparecer a poesia simplesmente vai nos acompanhar?
Ela irá sumir?
Qualquer outra espécie, que tome nosso lugar, não vai compreender, pensar ou sentir?
Acha mesmo que sentir terminaria conosco?
Acredita de fato, que quando ou se a humanidade for extinta, não haverá mais música em parte alguma do universo?
Nada mais produzirá som? Nenhuma criatura terá voz?
Quando a última pessoa sumir a palavra irá docilmente desvanecer também?
Nenhuma história nova será criada, contada, não haverá nenhuma imagem para ser gravada.
Nada mais irá acontecer em parte alguma apenas porque não estamos mais aqui para testemunhar.
Nós sumimos e a poesia morre.
Nenhum outro ser vivo jamais irá se tornar consciente ou irá aprender a sentir.
Nada em parte alguma irá mudar ou evoluir.
Tudo começa e termina conosco.
Mesmo o Sol, seguindo essa lógica, só existe porque nós existimos... Não é?
E quando o último ser humano desaparecer, oito minutos depois, essa estrela irá gentilmente decidir apagar-se, afinal, não há humanidade para vê-la e ela não é mais necessária.
Você acredita realmente nisso?
Isso faz mesmo sentido para você?
Me desculpe por discordar.
Por dizer que a vida tende a continuar.
Por considerar que talvez a poesia compartilhe a mesma essência de outras forças e que ela pode existir sem nossa presença.
Nos podemos sumir amanhã, mas a gravidade vai continuar, a luz vai se manter, a dor vai persistir, o prazer, o tempo, a morte, a vida. Eles irão existir.
Nada disso depende de nós.
Nós nomeamos essas coisas, não as criamos, nós somente percebemos que elas existiam.
Então.
Se a poesia irá continuar, através de outros olhos, com outras formas, independente da presença de nossa espécie.
Qual é a função dela?
Eu quero acreditar que ela é necessária, mas também quero conciliá-la com o mundo real.
Eu quero que ela seja tão importante quanto comida, mas como posso exigir isso, se outra pessoa sente fome? Uma fome real e prática, que nubla os pensamentos e que estabelece como única prioridade sobreviver.
Eu quero a poesia.
Mas não consigo vê-la transitar por mundos tão diferentes.
Talvez porque eu mesmo a considere entrelaçada conosco, o que ainda é um erro.
Lembra-se da analogia? A poesia e o Sol... Bem você não vai conseguir apagar o Sol, mas pode bloquear sua luz ao ponto de todos esquecerem que ele existe.
Você pode cavar, se colocar em túneis e buracos tão fundos que a luminosidade e as sensações que a acompanham seriam esquecidas, até um dia tornarem-se desnecessárias.
Nossa espécie talvez não consiga acabar com a poesia, podemos não arrastá-la para o túmulo conosco, mas sem dúvida sabemos como deixar de vê-la.
Sabemos como torná-la desnecessária.
Quando não entendo a razão dela, é isso o que ocorre, ela desaparece diante dos meus olhos. Deixa de fazer sentido.
Deixa de ter lugar em uma realidade que continuamente mostra-se brutal, ilógica e superficial.
Não precisamos da poesia para fazer nossas guerras.
Não precisamos dela para que pessoas continuem morrendo de fome, sede e doenças.
Não precisamos dela para nos portarmos como mortos-vivos em nossos subempregos e subvidas. Não precisamos dela para sobreviver.
Talvez, se quiséssemos viver, ela fosse necessária.
Se tivéssemos tempo para sentir.
Se estivéssemos prontos.
Se não nos preocupássemos somente em existir.
Houvesse uma razão para a poesia.
No momento.
Eu não sei porquê há poesia.
Sei apenas que há.
Independente da nossa presença, de nossos erros e certezas.
Mesmo com os olhos fechados, mesmo em silêncio.
Antes e depois do que somos.
A poesia há.



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