Ardente

art by *KeswickPinhead


Me desculpe.
Eu não posso mais levar você comigo.

Sinceramente não acho que exista uma forma rápida ou certa de se dizer isso.
Espero apenas não me perder ao começar a falar.
Pretendo ser breve e, se possível, pontual porque a questão já está terminada.

Textos assim tem o vício de ser longos.
Cartas de amor ou que possuem dentro de si muitos sentimentos tem o hábito de rodar e rodar.
Como moinhos parados.
Tornam-se palavras aprisionadas, pessoais demais, quase incompreensíveis a qualquer outra pessoa.
Você ainda entende o que digo?
Isso vai durar pouco.
Não porque é pouco o que sinto.
Mas porque é tanto.

Me perdoe.
Existem milhares de formas para chegar a este ponto.
Mas escolhi a mais simples.
Peço somente que me perdoe.
Eu não posso mais levar você comigo.

Eu precisava de mais tempo para dizer o quanto ainda sinto sua falta, precisava de todas essas linhas.
E de todas as páginas em branco.
Seria necessário ter todas as palavras que ainda não foram ditas.
Para conseguir expressar com alguma correção como ainda sinto sua ausência.

Determinadas coisas durante esses anos, desde que você morreu, mudaram muito, outras continuam como foram deixadas. Eu escrevo muito pouco agora, mas ainda escrevo.
Não desenho mais...Sei que você odiaria isso, mas durante um bom tempo eu me tornei incapaz de sentir... Fato que me impedia de criar.
Deveria ter guardado comigo o desenho que fiz de você. Não tenho nenhuma foto sua, talvez por isso, procure lembrar de você todos os dias, para ter certeza que não vou esquecer.
Será que com o tempo as pessoas se esquecem totalmente de um rosto, da cor dos olhos, cabelos e fica só a lembrança do sentimento?

Não queria perder isso...
Lembro como você sempre completava meus pensamentos e como me surpreendia.
Como me fazia rir. Eu nunca mais ri daquele jeito.
Lembro de todos esses sentimentos soltos e comuns.
Nunca mais fui surpreendido. Para ser exato, não me deixei mais ser surpreendido.
As vezes, quando estou andando na rua, tenho certeza que você não me reconheceria.
Eu me tornei pessoas diferentes durante esses anos e nem todas elas foram boas. Me perdoe sim... Foi necessário, eu tento com frequência me convencer disso.
A única constante durante esse tempo era sua presença e o fato de não precisar mais sentir.
Eu me fechei dentro de paredes insondáveis a fim de manter guardado o pouco que tinha sobrado de mim depois que você morreu.
Percebi que tinha medo de perder esse pouco, como se ao perdê-lo você fosse apagada.
Um medo egoísta, pensando em mim... Medo de amar e viver o inferno outra vez.
De perder o controle sobre a vida, de aceitar o imponderável.
Eu fechei todos os acessos até ser impenetrável.
Tinha alguma esperança de morrer assim. Afogado. Consumido. Não deixaria mais nada sair de mim, até que esse mar de sentimentos acumulados começasse a me devorar por dentro.
Me perdoe. Eu não tinha mais você... Me desculpe, porque sem sua presença eu não era mais capaz de parar ou seguir. Sem você não havia porque voltar.
Ninguém para me educar ou deter.

Eu deveria ter morrido na mesma época. Deveria ter parado.
Senti certa culpa por continuar vivo.
Eu deveria ter cuidado de você. Como disse que sempre faria.
Engraçado como ainda penso nisso e como me sinto constantemente responsável por proteger as pessoas que gosto.
Escrever as histórias delas para garantir finais felizes. Diferentes do meu. Mas essas outras histórias, não são nem serão minhas.
Por isso queria pedir que me desculpe, porque pretendo agora escrever a minha vida.

Sei que ela pode acabar subitamente na vírgula seguinte, eu sei disso. Mas por enquanto ela não terminou e eu quero continuar.
Me tornei algo difícil de ser amado e nem mesmo procuro isso agora...
Dizem que quando você prova o céu tudo na terra perde um pouco do gosto.
É errado pensar assim, eu sei. Mas é como sinto.
Vou tentar mudar isso, tudo bem?
Você não gostaria desse vazio. Eu estarei bem, vai ficar tudo bem.
Isso me dará tempo para escrever mais, desenhar mais e sentir mais.

Você conseguia entender as pessoas melhor do que eu. Sentia o que elas eram.
Uma vez escrevi... "Então sinta o que sou, sem você sou palavras condenadas ao segredo. Sou uma poesia que nunca será recitada." Eu vou tentar mudar isso Carol.
Sinto falta de falar seu nome em voz alta.

Eu sempre amarei você.
Precisava de mais tempo para dizer que uma parte de você sempre estará comigo.
Sempre vou amá-la. Porque aprendi o sentido dessa palavra com você.
Sempre.
Carol.
Me perdoe...
Por ter demorado tanto e por ter me perdido em algum ponto do caminho. Me perdoe por não ser mais a pessoa que você amava. Por ter abandonado tanto.

Quando comecei a escrever esse texto eu havia dito
"Me desculpe.
Eu não posso mais levar você comigo."

Mas eu estava errado Carol, você sempre vai estar comigo.
Na verdade, eu é que não vou estar mais aí com você, eu não vou estar mais nesse passado Carol. Eu vou precisar ir embora.
Não tenho mais como continuar morto, preso nesses dias.
Eu fiquei mais do que poderia.
Preciso ir embora agora.

Hoje é um dia de outono.
Estamos em Abril, desde manhã o vento do outono passa por mim. Os meses frios continuam sendo meus favoritos. Foi quando nos conhecemos.
É um dia bonito Carol.
Eu amo você muito.



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