Caos A2

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O elevador indica o centésimo segundo andar como a última parada.
Daqui a cidade inteira parece um único organismo, mecânico e fluído.
Sinto o vento do inverno passar por meu rosto e cabelos enquanto caminho até as grades do mirante. São mais baixas do que eu esperava, tudo é muito baixo quando se está tão alto.
Há um evidente caos na miríade de luzes noturnas e é impossível não pensar que se estivesse mais alto todas essas luzes seriam ainda mais parecidas com o próprio céu. Esse caos todo de luzes, intenções e movimento parece vivo.

Sou hipnotizada por ele.
Por suas setas venenosas.
Soltas em direções divergentes e opostas.

Fascinada pelo seu propósito implícito e método obscuro.
Ao mesmo tempo em que não permito sua entrada, ele me faz refém.
Eu sinto suas mãos travando meus pulsos, sinto a pressão da boca em minha nuca, mas não é o toque que me prende nem a força evidente.
É a respiração.
Construída à imagem e semelhança de um rosnado baixo, constante.
Uma vibração lenta e subsônica.
Não são os dentes, são as palavras que passam por eles que me contém.

Compreendo a existência desse caos dentro de mim, tão pactual como o sangue que teima em correr e esvair.
Deixo-me encantar. Permito sua proliferação e influência.
Deixo-me levar.
Como uma dança etérea em moto perpétuo.
Sem passos, sem compasso.
Giros e piruetas atrasados.
E a nada me atento. Não há falha ou erro. Só o movimento.

Permaneço capturada na teia de possíveis infelicidades e venturas.
É tão linda a visão daqui.
É tudo tão absurdamente sem sentido e lindo!
Respiro o ar de uma metrópole em polvorosa.
O doce aroma do imprevisível.
Doce, sensual, torpe. Que faz cada célula fervilhar. Pulsar. Tudo pulsa.
Sobre veios de avenidas, ruas e desvios, vem a lava que tudo leva.
O mal estar bêbado, a efervescência de neon, a névoa química.
É uma vórtice de sensações sinestésicas alheias.
Falanges que sobrevoam as mentes. Essa é a voz do caos. Mútua. Compartilhada.
Trombetas que demonstram o mal.
Sonoro e entregue.
Esse é o timbre do caos.
Deito desnuda com ele. Beijo o indecifrável que ele é.
Amo uma legião e sinto somente o gosto de uma boca.
São pernas e dorsos numa figura mítica.
Gozo e dor entrelaçados.
E os deuses olham para mim.
E veem meu desdém, meus olhos baixos e meu desinteresse pelo eterno imutável.

Só olho para ele.
Ele me possui, me encerra e explica.
Caoticamente sua.
Calmamente minha.

Calma.
Mente.
Minha.


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Nannda Silvestre & Moacir Novaes
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