art by ~Colourcatcher
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Danilo Lodi.
Ele odeia tudo isso.
Muito. Especialmente a parte que se refere ao tudo.
Não é nada pessoal.
É só pelo prazer.
De sentir e opor.
Ele não precisa de um nome, é um personagem comum, que passa por entre outras histórias sem ser notado. O tipo que você logo esquece.
Gosta de sentar-se na ponta da mesa e, a despeito da afirmação, demonstra pouca vocação para protagonista. Não trata-se de falta de talento, se quiser testá-lo, ele tomará mais um gole da cerveja amarga e quente, permanecerá quieto, olhando para você tentando compreender o motivo do interesse. Sem dúvida se concentrará na música antes de responder, Nina Simone - Don' t Let Me Be Misunderstood, então irá sorrir com o canto da boca e voltará para a cerveja, vai bebê-la e engolir a seco todo o conhecimento que ele tem proveniente de fontes estranhas, cultas, superficiais ou aleatórias, para soltar algumas palavras tão estúpidas que todos, até mesmo você, irão rir e esquecer qual assunto era tratado inicialmente.
Manter-se abaixo e longe dos holofotes, é uma escolha consciente.
Ficar à margem para ter uma vista privilegiada de todos os gestos e conversas.
Não é difícil ler outras pessoas, embora tentem, elas não se diferem de livros.
Você tem as lógicas e graduais como os tomos didáticos. Há os romances bons, outros que são rasos. Os poemas que vivem intensamente mas por pouco tempo.
As odisseias sempre improváveis. As biografias, ironicamente, tão focadas em nelas mesmas.
Embora não seja possível julgar pela capa, há algumas que desenvolvem o que ele chama de pele de crocodilo e isso torna-se evidente antes das primeiras páginas, é uma sensação parecida com manusear um objeto antigo.
Algo áspero que você pode sentir com a ponta dos dedos.
Essas pessoas são diferentes, você não consegue magoá-las, ofendê-las, alterá-las nem enxergá-las totalmente. Você olha e não consegue ver o que realmente pensam, se pensam ou se continuam ali com você. Talvez já tenham vivido algum evento, ou eventos, que as deixaram insensíveis ou, quem sabe, não tenham passado por nada e exatamente por isso não sabem sentir.
São criaturas muito fáceis de lidar, visto que não se preocupam em falar sobre si mesmas tornam-se agradáveis por saber como escutar em silêncio.
O problema é que elas desenvolvem um ponto de quebra desconhecido, um caráter instável que pode entrar em colapso por alguma frase simples e não intencional, ligada ao seu trabalho, dieta, amigos, lugares que visitou, cores favoritas... Basta uma palavra errada e você transforma essas pessoas no crocodilo do qual elas um dia roubaram a pele e nem há como julgá-las ou condená-las.
Como um provérbio do Quênia diz:
“Você é que deveria ter visto o crocodilo e não culpá-lo por ele ver você.”
Sobrevivência é uma boa razão para manter distância segura do fluxo principal e continuar nas bordas, entre as fases e vidas de outras pessoas, entregando suas deixas, permitindo assim, que elas se tornem o que ele não é.
Não ser é o seu estado natural da matéria.
Não estar torna-o livre para ocupar seu lugar preferido e interpretar o papel que quiser.
Hoje é quinta-feira, abril e ele será um comediante. É uma de suas atuações mais frequentes, nos últimos anos a comédia tornou-se um vício para a humanidade.
Não importa a qual preço, tudo tem que estar bem e mais leve do que é.
Parece uma tarefa complexa mas não é, ao menos, não para ele.
Através de seus olhos a vida não passa de uma piada gigante.
Esmagado por um asteroide, sufocado por alguma tsunami ou incinerado por um vulcão, a vida é incrivelmente criativa em demonstrar que nada é imutável, seguro ou previsível e a arte da comédia está em sua imprevisibilidade, a qual, estamos todos subordinados.
Imagino se esse era o sentido de comédia de Dante.
Ele será apenas um comediante.
Vestirá o que as outras pessoas desejam ver.
Falará o que elas querem escutar.
Ouvirá o que elas acham que tem para dizer.
Irá alimentá-las com o que precisam.
Porque elas podem ser o que ele não é.
Podem ser boas.
Melhores.
Elas tem essa chance.
Tenho em mente que ele sente prazer em fazer outra pessoa acreditar naquilo que demonstra como verdadeiro. Parece demoníaco, não? Mas é extremamente humano.
Algumas pessoas podem tomar isso como dissimulação, falsidade ou até mesmo desonestidade.
Não acredito que ele vá se desculpar.
Nunca pede desculpas e aconselha a nunca se desculpar por aquilo que uma pessoa é.
O garçom serve outra cerveja e a coloca na mesa sem sequer notar quem irá tomá-la.
Ele observa o amargo no copo e espera aquele líquido esquentar.
Parado, absolutamente imóvel... com a boca aberta aguarda pacientemente os pequenos pássaros saltarem de sua língua e limparem as fileiras de dentes brancos, afiados e estáticos.
A noite vai ser divertida.
Para ele.
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Danilo Lodi.
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