Vox




Joker, by Lee Bermejo



Deus algumas vezes falava comigo.
Era uma das vozes em minha cabeça.
Como o canto de mil baleias contido no espaço de segundos.
Era algo semelhante a brisa quando passa entre folhas de uma grande árvore.
Não fazia qualquer sentido imediato.

Quando queria dizer algo ele simplesmente usava as ondas estourando na arrebentação.
O uivo do vento nas tempestades. O atrito de rocha contra rocha.
O crepitar do fogo.
Eu nunca o compreendi totalmente, porém, imagino que essa era sua intenção. 
Ao falar ele não procurava se compreendido.
Pretendia somente ser simples e sublime.
Algumas vezes o diabo falava comigo, ao menos, um deles.
Tinha uma voz parecida com a de todas as pessoas que conheci em minha vida.
Parecia triste como uma guitarra de blues.
Na maior parte do tempo mantinha um tom irônico.
Era excelente companhia para discutir sobre jovens poetas suicidas russos.
Ele conhecia todos... Intimamente.


Havia uma bruxa chamada Carolina.
Lembro-me da sua voz todas as noites.
Suas roupas eram longas e púrpuras.
Presa entre as chamas que a rodeavam dizia sempre que a vida era surpreendente.
Que havia um propósito para cada respiração. 
Ato e palavra.
Sinto falta da alma ígnea de minha amiga.
Quando eu era criança.
Havia a voz de um crocodilo feito com giz de cera verde e preto que falava comigo.
Ele me contava que não existe um limite para a vida das pessoas.
Foi essa a primeira entre minhas vozes que se silenciou.


Máquinas, os papéis sobrepostos nas gavetas, os trilhos do trem...
Tudo tem voz se decidir ouvir.
Lembro em especial dos trilhos.
Me convidando.
Me chamando aos três segundos de dor aguda antes do vazio. 
E da mensagem percorrendo as estações.
Usuário na linha. 
Eu gostava de ouvir as vozes em minha cabeça
Elas eram surpreendentemente sensatas.


Possuíam pureza de ideal em cada um de seus atributos e adjetivos.
Agora que elas se calaram.
Restou somente o meu silêncio.


Agora que elas não falam mais comigo.
Eu não sou obrigado a ouvir você.


Nem ninguém.



...

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