Uni Verso



art by ~VitalikAlkarev



Deitada sobre camadas de seda ela espera ser definida.
A pele pálida equilibra-se no contraste com o escuro intenso de todo plano de fundo.
Há a impressão que ela flutua solta no espaço negro, como uma lua minguante e cálida.

Os pés, de arcos perfeitamente alongados, empurram e esticam os limites do celeste de fábrica e trama estendido sob seu corpo.
Eles passam pelo mar de tecido sem dissipa-lo.
Opondo-se a seda em equivalente suavidade.
Como a ideia se opõe ao ato.
Como a verdade se opõem aos fatos.

As sardas nos ombros e colo pareciam constelações esparsas.
Emoldurando esse sem fim de estrelas, você veria os cabelos vermelhos como espirais em volta do rosto.
Não havia qualquer expressão conhecida nos seus olhos ou boca, existia unicamente o espaço. Magnético e vazio
Veladamente sustentada por seu universo particular, ela comportava-se como diva.
Inquietando os olhos atentos e famintos que percorriam seu corpo.
Mantinham-se atraídos e suspensos em seu raio de atração homens dedicados a arte de
parar o tempo.

O fotógrafo diante dela concentrava-se em capturar a essência oculta das formas. A beleza eterna, do tecido contra a pele, da boca aberta como se soprasse e sussurrasse obscenidades.
Procurava no colo elegante, no contorno dos seios os sons do desejo incontido.
Algo que vibrasse em ritmo perpétuo.

Tão densa era a presença dela que poderia absorver até a luz.
Ela rodearia seu corpo, embevecida e mergulharia rumo ao caos de seus lábios.

Ele tinha esperança de conseguir transmitir a imagem sublime que testemunhava.
Exigia de sua habilidade um ponto preciso, para que assim, quem viesse a ver aquela cena tivesse dimensão exata do perfume leve que ocupava o vácuo entre o artista e seu propósito.
Entre ela e ele.
Entre Deus e homem.
E enquanto o homem sofria e perdia-se no meio da tarefa.
Deus, a beleza personificada, pensava em nada inicialmente.

Calada.
Não cogitava ou refletia, não demonstrava ou sentia.
Habitava a ausência.
Afirmando-se como fenômeno singular, único e criador.

No começo havia somente ela.
Deitada sobre camadas de seda ela espera ser definida.
Sem uma razão aparente ou compreensível, lembrou que deveria ser feita a luz e que no futuro alguém chamaria essa escolha de Big Bang.

Lembrou.
Como quem abandona algo.
Dos beijos ofegantes de uma mulher que conheceu aleatoriamente na noite anterior, ela não havia sequer perguntado seu nome. Não pareceu importante saber isso.

Pensou que precisava de alguma cocaína para aguentar as próximas horas, somente um pouco mais ou com sorte somente um pouco menos de todo o resto, de todas aquelas pessoas e sensações.

Decidiu que precisava de outra boca durante a noite, uma que não fizesse tantas perguntas.
Uma que não pedisse para ela ficar ou voltar.

Fiat Lux.

No fim.
A despeito das teorias científicas, dogmas e filosofias.
O universo demonstrava ser, estupidamente simples. 



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