O Tio Uílsu

Eu brincava muito no sítio.
Às vezes recebíamos visitas, como a do tio Uílsu, ele era médico e por isso todos gostavam dele. 

Como se por ser médico ele soubesse sempre encontrar o que tinha de errado com alguém, com algo. Fosse alguma coisa do corpo, ou das próprias emoções.
Emoções mesmo, acho que não tínhamos muitas. Bem, é como eu me lembro daquela época. Pessoas simples sem emoções.
 Talvez as pessoas simples sejam sem emoções não é mesmo? Ou... Ou sejam mais econômicas com elas, ou saibam como deixá-las mais quietas e caladas. É. É isso, eu acho. Naquela época sabíamos e deixávamos as emoções quietinhas, pois é bem verdade que criávamos nossas emoções desde criança para serem calmas e obedientes. É, “A EMOÇÃO” como se nossos sentimentos se agregassem e se tornassem uma coisa só, como mais um membro da família.

Acontece que o tio Uílsu mesmo, que era a parte rica da família e médico, ele tinha muitas emoções. Nos observava calado, e seus olhos sempre brilhavam, como se tudo o que ele fizesse fosse sentir.
Às vezes vinha nos visitar, penso agora, para que lá, naquela calmaria do sítio, ele mesmo pudesse se curar, e calar suas emoções. Preciso me explicar: Não é que calávamos nossas emoções como se nos reprimíssemos, isso nunca. Mamãe não deixaria. É que nossas emoções falavam baixinho mesmo, quase sussurrando, e ninguém achava ruim não, vivíamos bem assim.

Mas o tio Uílsu, não sei, era como se ele fosse adotado. Ele sentia muito alto.  Ninguém da família era desse jeito. Ficava quietinho lá, na dele. Mas de repente, alguém pegava ele meio distraído olhando pra um ponto fixo qualquer e de repente uma lágrima ia brotando dos olhos. Respeitávamos, achávamos até bonito alguém assim que nem ele. Que não achava que preto era preto e branco era branco. Pra ele era como se tudo fosse muita coisa. Coisa demais pra se agüentar enxergar.
Uma vez eu fiquei doente. Muito doente. Mas até minha mãe continuou a sentir sentimento calminho e sussurrado, mesmo que o pior pudesse acontecer. Por que pra gente era assim, as coisas simplesmente eram, e não podiam nunca ser maiores que a gente mesmo. O tio Uílsu olhava pra ela admirado, com os olhos borbulhando de lágrimas, sentindo os sentimentos do mundo todo. E me curou.
Depois disse que iria para bem longe, ficar “tão sozinho quanto Deus”, e eu achei aquilo tão bonito que pedi pra minha mãe se eu poderia ficar tão sozinho quanto Deus. Ela disse que sim, mas que eu não precisaria ir pra longe pra sentir isso, mas o tio Uílsu sim. Que ele queria aprender a sentir tudo mais calmo e mais gostoso.
Até hoje não sei se ele sentia tanto porque ele era médico, então ele sentia os sentimentos dos outros. Mas eu já fui em outros médicos na cidade que não sentiam baixinho não, sentiam nada. Então acho que era coisa do tio Uílsu. Que deve estar lá agora, num lugar calmo e com cheiro de mato, ouvindo os passarinhos cantarem, vendo que preto é preto, branco é branco mas tem muito colorido.

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