Samba do Pereira


 


_Arroz e feijão, dois ovos fri... Não, não... Picadinho com batata... Não, não... Quer saber?  Vai um bife mal passado mesmo! 

Fazia isso todo dia, nessa ordem... Mesmo que acabasse sempre pedindo a mesma coisa. 

O “Pereira”, seu amigo e confidente - pelo menos era o que ele gostava de pensar, ouvia pacientemente, com um sorriso calmo nos lábios enquanto pensava em outra coisa mais interessante e reagia educadamente ao anotar o pedido, como se fosse uma total surpresa o seu pedido de sempre, dos mesmos todos os dias da semana a 11 anos e meio. 

Há 11 anos e meio batia cartão lá.  
Dia de semana era assim. Fim de semana e feriado a pausa era maior, ás vezes ele até franzia a testa e unia as grossas sobrancelhas, cada vez mais grossas com o tempo. 


Batia a mão pausadamente na mesa e até cantarolava umas musiquinhas.  

Aqueles sambinhas antigos. 
ADORAVA aqueles sambinhas antigos. Às vezes se empolgava após a refeição, e com um palito de dente entre os dentes pedia uma caneta à Pereira e rascunhava no guardanapo algum refrão que acabara de inventar e um dia se tornaria um samba de grande sucesso.  
Mostrava pra Pereira, cantarolava pra Pereira, tentando encontrar o tom certo para sua composição...  
Todos os dias, os funcionários sorriam para ele com simpatia, como se ele lhes estivesse fazendo um favor com sua agradável presença, para depois às suas costas revirarem os olhos de impaciência. 

Mas lá. Lá dentro ele tinha controle. 
Outro dia puxou conversa com o “Pereira”- que não era de muita conversa, na verdade nem se lembrava da voz de Pereira, o que o tornava muito melhor amigo. 

_Sabe Pereira, o Adalberto pediu demissão. Depois de oito anos, oito anos acredita? 

E o Pereira só olhava compreensivo, sempre complacente com sua dor.  

_Sabe Pereira, tá com goteira lá em casa agora, acredita? 

E o Pereira olhava. E ele adorava isso. Essa atenção que não era pouca não! Essa atenção de quem realmente reconhece o valor de outra pessoa. 

Gostava de olhar a movimentação, não dos clientes, mas dos funcionários. Como se tudo estivesse sempre sob controle. 
Sob o SEU controle.  

Por que ele podia ficar lá, esperando, só esperando que o seu bife mal- passado cheio de cebola sempre chegaria.  
Sempre o ouviriam e atenderiam por 11,90 mais a gorjeta do “Pereira”. 

Mas um dia, um dia nublado no meio da semana ele tenta entrar pra almoçar e a porta não abre.  

FECHADO POR LUTO 

Seu coração parou. Sua respiração, antes, tão controlada, acelerou.  
Seu olhar foi pra rua, para as pessoas, em desespero, pedindo socorro. 

E seu bife de sempre? A tubaína gelada e a vinagrete? 

LUTO?  

Teria sido Pereira? 
Olhou ao redor novamente procurando novos restaurantes, bares, Pereiras quem sabe! 

O suor brotando da face, o coração acelerando, batendo... Pereira, Pereira, Pereira... Onde ele estaria? 

“-O Pereira não pode fazer isso comigo”  

Procurava por um sinal, por um milagre... 

Por Pereira. 

Mas não. 

Nem bife nem Pereira. 

Correu pelas ruas, trombando, batendo, empurrando os desprevenidos transeuntes e entrava em cada padaria, em cada lanchonete, em cada boteco e restaurante pra ver se encontrava Pereira. 

A cada busca e desencontro sua dor aumentava. 

Pensou por um momento que nunca mais conseguiria almoçar na vida.  

Cansou de procurar em vão e ver a sua frustração se transformando em roncos cada vez mais autos em seu estômago. 

Passava a mão pela barriga triste, e uma lágrima escorreu de seu olho esquerdo. Procurou um lenço no bolso e tudo o que encontrou foi um guardanapo amassado. Olhou para o guardanapo mais triste ainda, e enxugou a lágrima solitária.  

A solidão era tanta que já parecia eterna. 

Foi para casa, e decidiu que comeria miojo.

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