Bird Cage


art by ~kekepk



A bagunça se acumula por toda a casa. Já começo a tropeçar em latas de cerveja e revirar os inúmeros maços vazios atrás do derradeiro cigarro que nunca é o último...
As roupas no chão são pisoteadas, o lixo transbordando não incomoda mais e nem mesmo me preocupo com a desordem da escrivaninha. Sei que tem informações cruciais espalhadas, mas ultimamente nada faz sentido, então qual a razão de entender os números?

Sem coração não há razão.

Sou um zumbi no meio do meu próprio apartamento. Faminto e perdido.
A cama desarrumada traz lembranças que eu tento convencer minha mente de que foi apenas um pesadelo. Uma pena eu ter excelente memória quando o que eu quero é esquecer, fingir que não aconteceu da maneira que eu dolorosamente lembro...
As fotos e quadros perderam todo o sentido de ser. Fico atordoado pela mesma lista de músicas tocando repetidamente e, vez ou outra eu acho sentido em alguma letra, algum refrão, em qualquer dor alheia. My body is a cage, canta pesaroso Peter Gabriel...
A caixa de entrada acusa 213 e-mails não lidos. Mas como pensar nisso agora? Toda razão para executar minhas tarefas parecem irracionais. Sei que amo meu trabalho, mas amo coisas mais importantes também e a ausência destas deixa todas as outras amargas e sem motivos de receber tal sentimento, tal merecido afeto.
Na sala de espera do psiquiatra tento decorar o discurso: a explicação compilada da dor que me atormenta, mas após um sorriso franco eu esqueço tudo e conto apenas dos pormenores que não mudam nada minha rotina. A prosa é plana, improvisada e desprovida de emoções.

Sem razão ou coração.

Só existe a vontade de não fazer nada, mas luto o mínimo para poder terminar de escrever. Não há choro, ataques de raiva, autoflagelo ou qualquer tipo de drama. O que se vê no espelho é um sorriso derrotado que tenta se justificar através de uma datada dor de cabeça. Os olhos estão abertos e os sentidos funcionando perfeitamente, mas o torpor é tamanho que preciso me concentrar para sentir, ouvir, ver, compreender...
What a difference a day makes? Pergunta Jamie Cullum.
As perguntas se acumulam mais rápido que os papéis pelo chão.
Só queria saber como consertar tudo? Qual a solução para tamanho desencontro? Me sinto perguntando em vão como desfazer os estragos de um terremoto. Como reconstruir tudo sendo que a lembrança da tragédia sempre ficará à espreita?
I’m against all the odds again reclama a banda Foster The People. Eu reclamo de não conseguir reparar, pois sou incapaz de pensar enquanto sofro.

Sem coração perco a razão... e fico, mais uma vez sem solução ou explicação.


Texto Danilo Lodi.

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