art by ~GunnerRomantic
Ela parou de chorar somente depois de se vestir.
Tinha acabado de chegar da rua, vinha lá do centro, do Nina Rodrigues. O lugar tinha um cheiro forte de desinfetante, embora, estivesse longe de ser limpo. Ela viu alguns ratos correndo da calçada quebrada para o jardim mal conservado em volta do prédio do Instituto Médico. Viu alguns ambulantes vendendo água gelada e lanches. Viu outras pessoas, algumas delas, chorando mais ou menos alto.
Ela tinha visto também todos aqueles corpos deitados nas bandejas metálicas.
Eram tantos.
Tantos outros negros que ela chegou a ter esperança de voltar a ver seu menino vivo.
Eram tantos e todos eles tão outros.
Que parecia normal vê-los deitados.
Enfileirados.
Quase parecia possível que seu filho não estivesse ali, quem sabe voltasse à noite para uma boa bronca, como das outras vezes. Ela tinha essa esperança.
Infelizmente a esperança é apenas um inseto verde, pequeno e fácil de esmagar.
Ela foi conduzida e parou ao lado do último corpo da sala.
Olhava-o quieta. Era seu menino, ele parecia tão pequeno e magro, como na época que era criança.
A boca aberta e os olhos fechados.
Quando finalmente desviou o olhar de seu filho, moveu o rosto na direção da janela, queria ver o mar. Precisava ver o mar.
Perguntava-se, calada, se ele teria sido morto por aquilo que fez ou, se apenas, por algo que pareceu fazer... Nunca teria essa resposta. Nunca é tempos demais.
Não foi necessário dizer nada ao homem do instituto que a acompanhava.
Bastou chorar.
Compulsivamente, aos soluços, com a maior dor do mundo.
Tinha acabado de chegar da rua, vinha lá do centro, do Nina Rodrigues. O lugar tinha um cheiro forte de desinfetante, embora, estivesse longe de ser limpo. Ela viu alguns ratos correndo da calçada quebrada para o jardim mal conservado em volta do prédio do Instituto Médico. Viu alguns ambulantes vendendo água gelada e lanches. Viu outras pessoas, algumas delas, chorando mais ou menos alto.
Ela tinha visto também todos aqueles corpos deitados nas bandejas metálicas.
Eram tantos.
Tantos outros negros que ela chegou a ter esperança de voltar a ver seu menino vivo.
Eram tantos e todos eles tão outros.
Que parecia normal vê-los deitados.
Enfileirados.
Quase parecia possível que seu filho não estivesse ali, quem sabe voltasse à noite para uma boa bronca, como das outras vezes. Ela tinha essa esperança.
Infelizmente a esperança é apenas um inseto verde, pequeno e fácil de esmagar.
Ela foi conduzida e parou ao lado do último corpo da sala.
Olhava-o quieta. Era seu menino, ele parecia tão pequeno e magro, como na época que era criança.
A boca aberta e os olhos fechados.
Quando finalmente desviou o olhar de seu filho, moveu o rosto na direção da janela, queria ver o mar. Precisava ver o mar.
Perguntava-se, calada, se ele teria sido morto por aquilo que fez ou, se apenas, por algo que pareceu fazer... Nunca teria essa resposta. Nunca é tempos demais.
Não foi necessário dizer nada ao homem do instituto que a acompanhava.
Bastou chorar.
Compulsivamente, aos soluços, com a maior dor do mundo.
Nos minutos seguintes já estava do lado de fora do prédio.
Não se interessou pela papelada e as outras filas. Apenas foi embora.
Queria ir até o mar.
Seus olhos ardiam, ela chorou durante todo o caminho na volta para casa.
E parou somente agora, depois de se vestir.
A roupa branca e os colares. As pulseiras e as guias.
Pretendia ir velar seu filho no oceano. Tinha que guardar algumas lágrimas para ele.
Para seu filho verdadeiro, aquele que ela tinha amado e segurado no colo. Seu menino real, não aquela casca seca e estática.
Era o meio da tarde.
A praia estava vazia, ela caminhou até as pedras, perto de onde a água começava a puxar. Abaixou as mãos e tocou as pequenas ondas.
Lavou o rosto com o sal das lágrimas e do mar.
Tentava entender.
Sentia uma coisa, algo que estava muito além da fúria ou perplexidade, sentia um vazio azul profundo.
Lembrou-se de Yemanjá.
Pensou em Salvador e em sua vida naquela cidade.
Lembrou como havia sido difícil criar seu menino. Sem um pai, sem uma família.
Abaixou a cabeça, olhando para os próprios pés imersos no mar e para os peixes que os rodeavam, subitamente sentiu a maré fora de hora.
O mar recuou tão rápido que os pequenos peixes foram arrastados para longe, assim como, barcos e jangadas. Tudo que flutuava no litoral foi levado embora.
Restou somente o leito arenoso e as pedras da praia.
Ela endireitou o corpo, tentando ver para onde o mar tinha ido, não lhe ocorreu em momento algum retroceder, buscar abrigo ou voltar para a cidade.
Não se moveu um centímetro, mesmo quando começou a ouvir o som do mar voltando, o barulho grosso dele destroçando barcos e torcendo o ferro de cargueiros.
Não pensou em fugir quando viu a muralha azul e branca de ondas levantando-se e cobrindo, primeiro a linha do horizonte, e depois, o próprio céu.
Medo é para quem tem algo a perder.
O que existia nela, diante daquela sublime violência, era apenas alívio.
Yemanjá varreria sua cidade.
Carregando as mágoas.
Recomeçando do nada.
Quem sabe assim.
Haveria alguma paz.
Não se interessou pela papelada e as outras filas. Apenas foi embora.
Queria ir até o mar.
Seus olhos ardiam, ela chorou durante todo o caminho na volta para casa.
E parou somente agora, depois de se vestir.
A roupa branca e os colares. As pulseiras e as guias.
Pretendia ir velar seu filho no oceano. Tinha que guardar algumas lágrimas para ele.
Para seu filho verdadeiro, aquele que ela tinha amado e segurado no colo. Seu menino real, não aquela casca seca e estática.
Era o meio da tarde.
A praia estava vazia, ela caminhou até as pedras, perto de onde a água começava a puxar. Abaixou as mãos e tocou as pequenas ondas.
Lavou o rosto com o sal das lágrimas e do mar.
Tentava entender.
Sentia uma coisa, algo que estava muito além da fúria ou perplexidade, sentia um vazio azul profundo.
Lembrou-se de Yemanjá.
Pensou em Salvador e em sua vida naquela cidade.
Lembrou como havia sido difícil criar seu menino. Sem um pai, sem uma família.
Abaixou a cabeça, olhando para os próprios pés imersos no mar e para os peixes que os rodeavam, subitamente sentiu a maré fora de hora.
O mar recuou tão rápido que os pequenos peixes foram arrastados para longe, assim como, barcos e jangadas. Tudo que flutuava no litoral foi levado embora.
Restou somente o leito arenoso e as pedras da praia.
Ela endireitou o corpo, tentando ver para onde o mar tinha ido, não lhe ocorreu em momento algum retroceder, buscar abrigo ou voltar para a cidade.
Não se moveu um centímetro, mesmo quando começou a ouvir o som do mar voltando, o barulho grosso dele destroçando barcos e torcendo o ferro de cargueiros.
Não pensou em fugir quando viu a muralha azul e branca de ondas levantando-se e cobrindo, primeiro a linha do horizonte, e depois, o próprio céu.
Medo é para quem tem algo a perder.
O que existia nela, diante daquela sublime violência, era apenas alívio.
Yemanjá varreria sua cidade.
Carregando as mágoas.
Recomeçando do nada.
Quem sabe assim.
Haveria alguma paz.
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