Nunca tive
medo de mendigo.
Talvez,
algum tipo de fascínio, como se fossem criaturas mágicas.
Na minha
infância, sempre ia comprar algumas coisa com a minha mãe no armazém do seu Chico:
Aquele fiozinho do varal, cadarço (não
sei porque mas a gente sempre comprava cadarço), e salgadinhos de cebola que eu
enfiava nos dedos como anéis antes de por na boca.
Mas o “Seu Chico” não era só praticamente um
ponto turístico no bairro por ter todo tipo de iguaria não... Seu Chico tinha
outra carta na manga, além de arames e tetas de nega convivendo lado a lado,
seu Chico tinha seus guardiões: “Os cavaleiros do Seu Chico”.
Era como
chamavam os bêbados que rodeavam o armazém e passavam o dia e a noite em sua
calçada. Algumas crianças mais ousadas provocavam um ou outro, alguns levavam
comida, eu tinha uma amiga que vivia puxando assunto com eles.
Era como se
o armazém do seu Chico e os mendigos que viviam ao redor não existissem um sem
o outro, e era normal.
Como seria o
Seu Chico sem os mendigos? Confesso que a pouco tempo voltei à minha antiga
cidade e passei pelo seu chico. Qual não foi a minha decepção ao ver a calçada
vazia. Quanta solidão cabe agora naquela calçada.
Onde eles devem estar agora?
Egoísmo da
minha parte, pode ser, não se deseja que ninguém continue mendigo, mesmo que a
própria pessoa queira.
Mas alguns
querem.
Agora a
pouco caminhei longamente abaixo do minhocão, sozinha, tendo como vista por
todos os lados mendigos, suas famílias e suas tralhas. Muitos cruzavam o meu
caminho normalmente, mas tão a vontade, de um jeito que não estamos acostumados
e ver na cidade, caminhavam de cabeça erguida, de um jeito que me surpreendeu,
e eu lembrei: Eu estou no território deles. Talvez se não tivessem mais
mendigos nas proximidades do minhocão as pessoas também sentissem falta assim
como senti dos “cavaleiros do seu Chico”.
A cidade
precisa de mendigos?
A cidade
seria mais limpa e menos perigosa?
De quem a
gente iria desviar?
Se não
existissem mendigos a gente ainda teria medo da vida nos fazer parar embaixo da
ponte?
É porque
eles existem que não largamos nossos empregos?
Tem um
portal debaixo de cada ponte?
Os mendigos
vão pro céu?
Com quem
eles conversam quando falam “sozinhos”?
Eu não sei.
Sei que eu
dedico esse texto aos “cavaleiros do seu chico” que de uma forma estranha,
fazem parte das lembranças mais bonitas da minha infância.
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