Sonâmbulo.




Hoje será uma noite interessante em São Paulo.
Os movimentos que estão espalhados por todas as cidades podem simplesmente sumir, esvanecer no ar, de um momento para outro ou no decorrer das próximas semanas. 

É possível também que uma nova causa conduza as pessoas.
E após considerar esses dois caminhos... há uma terceira possibilidade.

Essencialmente, porque o cenário ainda não está completo. Lembra daquela frase "o gigante acordou" que é bastante criticada por algumas pessoas que dizem que "sempre estiveram acordadas e que sempre estiveram mobilizadas."

Bem.. Não estamos falando delas.
O gigante, definitivamente, não são elas.
Ele, essa sombra de intenções, não resume-se ao "bem informado" manifestante
que sabe que as coisas estão erradas e consegue discernir quais são as possíveis causas para esses erros.

O gigante é a população esquecida das periferias da cidade.
As pessoas dos bairros afastados do centro e das cidades que ficam à margem da capital. O gigante são os esquecidos... Aqueles que mal aparecem em sensos, estatísticas e pesquisas.
O gigante é aquele moleque que sobreviveu até os 20 anos.
Sem medo. Acostumado a tomar porrada da polícia, porque isso para ele não é novidade. Acostumado a ter uma arma apontada para ele.
Acostumado a ser revistado e tratado como marginal.
Acostumado a ser visto como baderneiro, maloqueiro e vândalo... Mesmo quieto na calçada.

O gigante é o ódio dele.

Contra todas as coisas que ele nunca entendeu, coisas que não foram explicadas.
O gigante é ele.

Nos últimos dez anos ele viveu sem direito à educação ou saúde.
Esmagado em um ônibus lotado, andando 20 minutos até encontrar um ponto e poder embarcar rumo a seu emprego e a seu salário de fome.

Vivendo sem entender porque tudo tinha que ser assim. Vivendo com a sensação de estar sendo roubado a cada dia por alguém, por algo invisível e inexplicável.
Odiando os carros que passavam ao lado dele. Odiando as pessoas dentro desses carros que não enxergavam ele, odiando o governo, autoridades e candidatos que só viam sua existência em determinados períodos do ano.
Odiando tudo que não era dele.
Odiando o fato de não ter nada e, principalmente, ser incapaz de nomear e expelir essa raiva.

O gigante é essa população que não compreende por quais razões viveu abandonada.
Sem asfalto em casa, perdendo tudo a cada enchente.
O gigante representa todos que não compreendem essa raiva, mas que são obrigados a conviver com ela a cada dia.
Durante décadas.

E por décadas eles puderam apenas remoer esse rancor, sem nunca ter uma resposta de porque o transporte, educação, saúde e segurança eram tão ruins para eles e bons para alguns. Sem saber porque essas coisas eram direitos de outras pessoas e não deles.

O gigante não é você meu caro e cara estudante, manifestante ou intelectual. Porque você tem respostas, eu não me atreveria a diminuir sua dor ou insatisfação, afinal, talvez você tenha que conviver com a angústia de conhecer as razões dos problemas...Mas, ao menos, você sabe que há uma causa e com sorte uma solução. Você ao menos compreende porque algo ou alguém está, com o perdão da palavra, f. sua vida.

Não era você adormecido todo esse tempo.
Indo de um pesadelo para outro nos últimos vinte ou trinta anos.

O gigante é esse rancor. Acumulado e silencioso.
E que, sendo bem honesto e franco, tem todo o direito de existir.
Tem todo direito de acordar.
E todo direito de devorar o que nunca compreendeu.


#ogiganteacordou#vemprarua#tatudoerrado#acordabrasil

Como Gil Scott-Heron disse a revolução não será televisionada... e imagino que ela também não terá uma hashtag.


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Comentários

Roberta disse…
O Gigante perdeu o foco
O povo em sua fúria se esqueceu dos seus direitos e não sabem mais para que lado vão e o onde agora vão achar o certo.

F.G. disse…
Militantes...
Todos devemos ser... afinal como disse Jean-Paul Sartre:

*O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.*

F.G.