Translúcida.



Photo Ninil Gonçalves


Ela encosta no bar e pede uma água de coco cowboy.
Agora é uma da manhã e é só o começo da noite, ainda é cedo... Se você tem o hábito de se perder por ai vai compreender isso.
É uma da manhã e tudo está apenas começando.

Dá para ouvir “Steady, As She Goes...” na pista, imediatamente ela tem vontade de descer e se misturar como todos aqueles outros corpos e esperanças, como líquido inflamável... Mas não instável. Porém é preciso agir com método.
Primeiro ela beberá a água, com calma, isso irá ajudá-la por toda a noite a atravessar uma garganta seca e uma semana árida.
A água a transformará em um animal estranho naquele meio, a manterá desperta e isso, algumas vezes, é um problema dentro do clube e na vida.

É fácil entender o poder ritual de se sentar em grupo e beber. Ela respeita isso.
Há alma no vinho e uma boa quantidade de verdade no álcool, não podemos negar isso, mas há algo que a incomoda... A obrigatoriedade de ser igual a todas aquelas outras pessoas que desejam tão desesperadamente ser, imensamente, únicas.

Ela já está desarmada, ela já está falando a verdade e não vai ser alguma substância envelhecida, filtrada ou fermentada um par de vezes que alterará o que ela é.
Não há necessidade de ser anestesiada.
Não há coragem ou medo, nem um propósito a ser defendido ou a ausência de algo. Trata-se de uma escolha simples, ela apenas não quer... Não quer lembrar, esquecer, deixar ou entrar. Estar ou ficar. Ela não precisa e isso lhe confere um enorme poder.

O barman a conhece, ao menos, lembra como ela foi educada com ele da última vez que visitou aquele lugar. Ele não faz perguntas, apenas pega um dos copos gelados e serve a água.
Olhando de longe, para o bar e para todo contexto em volta dela, você diria que aquele era um copo de vodka, talvez tequila prata... Nunca água.
Pessoas legais não bebem água.
Pessoas legais precisam.

O copo vibra com o baixo de “A girl like you”, antes que ela tenha chance de sair do balcão e se diluir, entre os demais anônimos, um garoto se aproxima.
Ele mal tem vinte anos. Visivelmente bêbado diz alguma coisa perto do ouvido dela. Dois segundos depois ela olha para dentro do rapaz como se pudesse atravessá-lo, pega o copo de água e entrega para ele, sussurrando alguma coisa em seu ouvido, antes de sair para a pista.
Talvez pelo rapaz parecer um pouco atordoado ou apenas por curiosidade o barman, enquanto limpa o balcão, pergunta... “O que ela disse?”

“Que eu, com ou sem gelo, era um idiota...
Me vê uma vodka?”
...

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