Eu odeio o Natal.



art by Charles Schulz



Já tem algum tempo que estou aqui parado, pensando no que escrever. Preciso de um pouco de café ou de algo para beber, sei que preciso, mas, mesmo assim, continuo aqui imóvel.
Sinto alguma falta de cigarros ou de algo que queime. Vou até a cozinha e coloco um pouco de água para ferver. Dias de chuva são intermináveis, não são?

Desculpe falar de amenidades e do tempo com você, me perdoe por começar assim a conversa, mas é que choveu o dia todo e ainda está chovendo.
É um dia daqueles de final de ano, onde chove das quatro da manhã de um dia até as duas do dia seguinte. Gosto desse frio nublado, mas odeio essa época do ano.
Sei que isso pode parecer um muito definitivo e denso, considerando que, até agora, falávamos sobre coisas bobas, mas, sabe... Eu odeio o Natal.

Nem tanto são os símbolos religiosos, o consumismo desenfreado, a necessidade esquizofrênica de bondade, ou qualquer outra crítica pronta e embrulhada para presente sobre a data. Não é isso.
O Natal se tornou bastante eficiente em resistir a esse tipo de comentário, ele, na verdade, é plenamente capaz para sobreviver à minha opinião e ao senso comum das pessoas.
Eu odeio o Natal por outras razões e não consigo afirmar se elas são ou não subjetivas, porque pra mim, vistas aqui de perto, elas são bem reais e diretas.
Permita-me explicar... Eu, resumidamente, odeio a oportunidade que o Natal representa.
Eu odeio a chance de parar.

Parar com a guerra, parar com as mortes. Parar com as crianças que carregam armas e com as que são abatidas por outras armas.
Parar com a violência, fome e descaso.
Mísseis e drones teleguiados.
Parar com seus gritos e com o ódio pequeno e gratuito de todos os dias.
Parar com seu rancor contra porteiros, judeus, malaios, negros, mulheres, índios, gregos...
Parar de julgar as pessoas da sua rua por aquilo que elas vestem, pelas coisas que elas compram ou por quem elas amam.
Parar de ignorar seus filhos e pais.
Tudo o que está errado no seu serviço e por tudo o que você arrasta consigo.

Parar de se importar mais com seu cartão de crédito do que com sua família.
Parar.
Eu odeio o Natal, porque ele é a chance mais clara que temos, todos os anos, de parar e vermos como estamos ferrando nossas vidas e as vidas de outras pessoas.
Ele é a última oportunidade de questionar esse ciclo antes de recomeçá-lo automaticamente em janeiro.

É o derradeiro lembrete que podemos ser diferentes e melhores e que, exatamente por isso, quando não somos estamos fazendo uma escolha consciente.
Por isso eu odeio o natal.
Ele me faz perceber que eu poderia ser melhor comigo, com os outros e com todas as coisas que chamamos de coisas mas que deveriam, na verdade, ter mais valor e um nome.

A água ferve, sem fazer barulho.
Volto para a cozinha para preparar meu café.
Assim talvez fique acordado de noite e sirva biscoitos para os espíritos dos natais.
Passados.
Presentes.

E futuros.






...

Comentários

F.G. disse…
Adorei o texto!

Melhor só com uma xícara de café!

Abraço.
Sr. Escritor.

F.G.