Dia Branco

Ah... Os lençóis brancos de tão gastos.

Macios e fofinhos... De tão gastos.

Porque muitas, mas muitas coisas mesmo, ficam incríveis somente depois de muito uso.

Lígia pensou que deveria twittar isso, quem sabe poderia deixá-la mais popular, digo, um pouco popular, ou... Bem, alguém poderia ler. Mas ela não tinha twitter. Não tinha ninguém.

Se espreguiçou sentindo o cheiro da chuva que se anunciava agora com seu cheiro tão característico e vinha seduzindo à todos fazia dias, com sua lembrança em meio a tanto calor.

Ainda estava quente, mas a brisa da chuva que já estava a caminho deixava tudo mais leve, e todos mais gentis.
Pelo menos era o que ela pensava, afinal, quem não seria gentil agora? A chuva estava se anunciando, trazendo alívio.

Tomou chá, deitou de novo, se espreguiçou roçando a pele um pouco mais naqueles lençóis.

Como alguém pode gostar de lençóis novos, de seda e aquela baboseira toda de fios de sei lá o que.
Esse lençol tinha até aquelas bolinhas conquistadas pelo desgaste das lavagens. Não havia delícia maior para Lígia.

As malas estavam abertas logo ao lado, nunca as desfez por completo, só se acostumou a não precisar usar tudo o que tinha dentro dela. Afinal, todo mundo sabia, nunca se desfaz as malas em uma relação, a qualquer momento você pode precisar partir: Ser expulso, ou inocentemente mesmo depois de alguns dias ou...Anos. Lígia tinha passado por todas as situações. Era sempre melhor saber que suas malas estavam sempre lá para quando a hora chegasse.

Mas passava das três, passava das três faz tempo e ela precisava ir embora.
Partir é sempre triste mesmo? Deveria chorar antes de ir? Beber? Escrever algum desaforo ou poesia com batom no espelho?

Só tinha vontade de se roçar um pouco mais naquele lençol velhinho, com cheiro de lavado, com cheiro de sol.
Era uma calma estranha, estranha e bonita como chuva, que pode ser qualquer coisa: Terrível ou alívio.

Torceu para que a chuva trouxesse um arco íris, estava cansada de drama.

Terminou de fazer as malas. E tudo o que via era claro, e sua calma e até seu medo eram brancos, uma coisa híbrida, com nome novo.

Tudo fica melhor depois de muito gasto, reafirmou.

 O coração de Lígia, sua língua, suas emoções e vagina.

Usara-os tanto que hoje, até o descontrole era saudável, era branco, era novo. Era tudo macio cheirando a limpeza e sol, e de tudo, mas tudo mesmo Lígia faria melhor uso, mesmo que não quisesse, afinal, a experiência, a dor, e até mesmo as despedidas traziam algum tipo de renovação.


Tudo era branco, com bolinhas gostosas e macias, como o aconchego de um lençol velhinho.

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