Raízes.

art by Sarolta Bán.
Todos os dias algumas perguntas se repetiam.
Ele deixava o apartamento, para trabalhar, passava pelas altas e estreitas portas do edifício.
Havia uma “maderera” na frente do prédio baixo, era a primeira coisa que ele via ao sair e sempre perguntava-se de onde vinham as árvores para todas aquelas mesas, bancos e portas expostas na vitrine.
Destino meio triste...  Nascer árvore e morrer banqueta.
Perguntava-se, com igual desinteresse, por que as árvores, na rua e espalhadas pelo bairro, pareciam tão secas. Sempre magras e sem folhas, fincadas nas calçadas como garfos.
Independente da época do ano, do tempo ou da chuva, perfeitamente secas.
O problema deveria ser ele, não o cenário.
O problema era ele.
Enquanto caminhava na calçada alguma coisa sem nome o incomodava.
Hoje, e nesses últimos dias, alguma coisa parecia fora de lugar e como ninguém mais parecia incomodado o problema deveria ser ele. A coisa fora do lugar deveria ser ele.

Seu aniversário estava próximo.
Junho era um mês terrível e estranho, não apenas pela data, mas porque a época era um lembrete de que o tempo estava passando e que só faltavam outros seis meses para o ano terminar.
Ele pensou nas coisas que tinha o hábito de deixar para trás.
Pedaços que vão caindo pelo caminho e que a maior parte das pessoas chama de “lembranças”.
Não havia arrependimento, mas... Sabe... Sendo muito sincero sobre isso, o passado, na maior parte do tempo, é uma merda que fica mais próxima da ficção e dos enganos da memória do que da vida real.
O futuro, por outro lado, era uma merda conceitual. Um esboço, ainda preso na mesa de desenho como o projeto de uma casa ou de um prédio.
Muito bonito de olhar, pensar, imaginar... Mas você não vive em um esboço.
Você vive aqui, nesse lugar confuso que é o presente.
Isso é o que sobrava.
...Naquele mesmo momento, ele percebeu que ainda pensava em português. As pessoas que passavam por ele, todas elas, pensavam em outra língua. Ninguém ali pensava como ele e saber disso era desconfortável.
Alguma coisa parecia tão fora de lugar.

Ele colocou a mão dentro do casaco.

O passaporte estava em seu bolso. Sempre estava.
Tinha vontade de pegar um táxi para Ezeiza ou pro Aeroparque e perguntar afobado no balcão que horas partia o próximo voo para o Brasil.
Tinha vontade de reencontrá-la e corrigir aquela série interminável de erros e assuntos mal resolvidos. Tinha vontade de ouvir outras pessoas falando sua língua, mesmo que fosse para ouvir as bobagens que elas falavam.
Tinha vontade de esquecer seus antigos erros e cometer toda uma elegante coleção de novos.
Correu os dedos pelo passaporte até chegar no maço de cigarros. Precisava fumar.

“Perdón...
 ¿Tener un cigarrillo?

Um garoto com não mais do que 18 anos fez a pergunta. Ele precisou organizar seus pensamentos para entender e puxar outro cigarro do maço.

“Gracias.”

Ele acenou com a cabeça e continuou andando.
As coisas ficariam bem, pensava quieto, era só uma questão de tempo.
Tudo ficaria bem.

Duas horas depois ele estava no saguão do aeroporto, olhando os aviões chegando e partindo por uma das janelas.
Tinha o visto em uma das mãos. Um café na outra.

O problema, definitivamente, era ele.

...

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