Se os beija-flores fossem homens.


photo by Folkeye

Nesse último verão, em meio as altas temperaturas da estação, me ocorreu a ideia de colocar um bebedouro para os beija-flores que, eventualmente, cruzavam o jardim da casa.

Objeto simples e singelo, feito de plástico colorido rosa e ornamentado por flores artificiais. Confesso que, quando deixei o aparelho instalado no galho de uma das plantas, suspeitei que ele não funcionaria. Imaginava que o instinto daqueles graciosos pássaros, daqueles pequenos milagres voadores não seria enganado por esse artifício tão humano e falso.
Mas, para minha surpresa, logo um beija-flor se aproximou e, timidamente, utilizou o bebedouro. Aos poucos, o colorido bailarino flutuante, passou a ser uma companhia constante, bebendo o líquido adocicado e zunindo rápido.
Tudo ia bem e eu me senti ainda mais animado quando um segundo beija-flor apareceu.
Foi então que eu aprendi uma nova e singular lei presente em toda natureza:

A treta.

Rapidamente iniciou-se uma guerra entre os dois beija-flores por território e os doces zumbidores se transformaram em pitbulls raivosos de penas. Todos os dias, por horas e horas, eles se dedicavam basicamente a duas atividades:

- Sugar néctar por 8 segundos.
- Passar as horas seguintes tentando matarem-se, tentando loucamente atravessar um o cérebro do outro com suas mini-lanças afiadas.
- Sugar néctar por 8 segundos.
- Passar o resto do tempo tentando empalar seu adversário, arrancar seu pequeno coração e oferecer em algum ritual para o deus raivoso dos beija-flores.

Em uma tentativa de estabelecer a paz digna da ONU resolvi colocar mais bebedouros, quem sabe assim, com muita exposição de comida eles decidissem não brigar como pequenas hienas famintas e sanguinárias.
Resultado?

Logo, um mini Hitler emplumado resolveu que todos os 27 bebedouros seriam apenas seus e que qualquer coisa viva que se aproximasse deveria ser sumariamente obliterada, qualquer invasor teria, sem dúvida, seus olhos perfurados por aqueles adoráveis biquinhos e linguinhas psicóticas.
Não importa se eram abelhas, vespas, uma águia careca americana, um bebê humano ou um urso pardo. Qualquer coisa na área dos bebedouros passou a ser atacada por um daqueles pequenos putos alados maníacos por poder... Senão era o ditadorzinho com bico, era um dos seus adversários, igualmente cruéis, que desejava conquistar o império dos bebedouros.
Tentei evidentemente remover os bebedouros quando percebi a guerra santa deflagrada por aquelas besta feras, mas desisti após repetidas bicadas... Não pretendo entrar para o livro dos recordes como o caso de ataque animal e morte mais fofa do planeta.

Hoje, quando completo 23 dias de prisão domiciliar graças aos ataques da gangue de beija-flores e vejo as evoluções aéreas desses pequenos arautos alados da destruição, eu penso onde errei... Observando aquelas criaturazinhas que se comportam como caças MIG-29 compreendo que aprendi algo muito importante:

Essas crias satânicas cheias de penas me ensinaram que há apenas uma regra para a vida:
A treta.
Não importa se há comida, fartura, espaço.
Não importa se são da mesma espécie, irmãos, iguais.
Não importa se é a pior opção.
Há somente, universal e irrestritamente, a busca pela treta.

Agora eu sei o que Deus sente sobre a humanidade. 


...

Comentários