Guia de bolso: “Então você nasceu no Brasil. O que fazer agora?”



Cena do filme: Brazil


Olá,
Então você nasceu no Brasil. Congratulações.
Esse guia pretende ajudá-lo a:
A) Situar sua condição atual.
B) Compreender o intricado funcionamento social do contexto onde você está inserido.


Capítulo 1. As regras do jogo.
Não há regras.

Capítulo 2. O que fazer e o que não fazer?
O Brasil, basicamente, é uma grande e eterna capitania hereditária. Seja nas artes, justiça, política ou comércio, não importa. Determinadas profissões e cargos são um direito herdado e é preciso que você compreenda isso rapidamente.
A preferência na política não é para as ideias novas, ela é para os sobrenomes velhos.
Ter um sobrenome tradicional vale mais do que princípios ou ideologias. O mesmo vale para grandes empresas, é importante saber que o filho do dono tem prioridade e que será dele a capa da revista de economia.
A sociedade brasileira, vale ressaltar, valoriza muito o conceito de meritocracia, essencialmente, a versão que diz que se você nasceu na família certa o céu é o limite.
Respeite isso e saiba que seu lugar não vai mudar nessa cadeia hereditária.
Doutores nascem doutores, faxineiros morrem faxineiros. Simples assim.

Capítulo 3. Quem puxa as cordas?
Quem tem o dinheiro.

Capítulo 4. Ligando a TV?
No Brasil a TV é Deus. Ela diz o que você deve aceitar, recusar ou achar normal. Recentemente as grandes oligarquias no ramo da comunicação tem se debruçado sobre questões importantes e fundamentais sobre a Televisão.
Aparentemente os meios de comunicação brasileiros já compreenderam que é muito fácil incitar grandes manadas de pessoas a comportarem-se como imbecis.
É, mais ou menos, como riscar um fósforo perto da gasolina, não é um grande feito, visto que, assim como o cidadão de bem, a gasolina já estava predestinada a explodir.
Afinal, para uma população que acha que discurso de ódio é igual a “opinião” e que joga carro em cima de ciclista porque eles são “folgados” é bem fácil incitar certas reações ou movimentos.
O problema é que, após décadas de descaso com a educação e de adoração ao senso comum, o brasileiro médio transformou-se em um ser estagnado e pouco útil, mesmo quando o assunto é ser massa de manobra.

Capítulo 5. O cidadão de bem.
O Brasil é dividido em castas, como dito anteriormente. Há divisões claras sociais que não devem ser ultrapassadas. É de fundamental importância para a manutenção de toda estrutura que sustenta o bioma do cidadão de bem que cada brasileiro saiba seu lugar.
Juízes pensam que são deuses e devem ser tratados como tal.
O problema básico aqui é que o panteão é excessivamente vasto, o que torna difícil a vida da classe média brasileira, sempre dividida entre diferentes pequenos deuses. Políticos, médicos, engenheiros, psicólogos, artistas, militares... Cada uma dessas classes é especial, ao seu modo, e, certamente, sedentas por adoração.
De qualquer modo falamos aqui das castas dominantes e esse é um terreno vasto:
- Multimilionários, nascidos em berço de ouro e que nunca precisaram trabalhar, mas que defendem, com unhas e dentes, o discurso: “quem trabalha consegue e grevista é tudo vagabundo”.
- Ativistas super engajados que na vida pessoal são machistas e negam-se a mover a bunda para lavar uma louça ou para notar que a faculdade pública que ele ou ela tentam demolir, por ser escrava do sistema, é importante para quem é realmente pobre.
Em comum, entre esses arquétipos, há o distanciamento. É essencial notar que as castas dominantes do Brasil vivem longe das outras castas menos favorecidas. Não andar na mesma calçada ou elevador, não vestir as mesmas roupas, comer nos mesmos lugares é fundamental para manter o sistema funcionando.
As demais castas podem ser classificadas em:
- Novos ricos ou apenas não miseráveis que esqueceram que um dia já foram pobres.
- Zumbis que tiveram seus cérebros desligados durante seu período na educação pública.
- Adolescentes modorrentos de 12 anos e adultos que ainda pensam como adolescentes modorrentos de 12 anos e que tem distorcidas opiniões sobre a vida e o mundo. Grupos que colecionam revistas falando sobre nazismo (muito populares no Brasil), e que baseiam sua visão da sociedade através do filtro das redes sociais. Altamente propensos a repetir e apoiar, prontamente, qualquer discurso desde este inclua as frases “direitos humanos para humanos direitos” e “não sou racista, sexista, machista, ou outro ista qualquer, mas...”
E por fim. Os pobres que são a esmagadora maioria (embora não pareçam saber disso).
Uma legião de pobres que sonha um dia pertencer a outra casta.

Capítulo 6. Em caso de dúvida?
Aja normalmente e lembre-se.
Aqui é o Brasil.
O lugar onde tudo é possível e nada é real.


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