23 anos, 1 mês e 13 dias.


Filme: Peixe grande e suas histórias maravilhosas.



Foi o tempo que eu tive para amar e odiar o homem que chamaria de pai.
Caminhão, Álvaro, Álvarinho, Técnico, Pato Rouco, Filho do Hélio Esterco, etc. Não consigo lembrar de todos os apelidos pelos quais ele era conhecido.
O velório foi tragicômico: o pé amputado semanas antes foi motivo de piada. Fiquei revoltado e depois ri sozinho com o fato da funerária ter dividido o bigode dele ao meio, quando sempre era penteado pra baixo. Aprendi a rir em velórios com ele. O baque maior foi uma semana depois quando peguei as cinzas no crematório. Como pode aquele cara tão grande caber nessa caixa pequena com menos de um quilo?
Quem poderia dizer que naquele cubo de madeira jazia essa pessoa que tinha o mau humor, vícios e olhos pequenos como seus cartões de visita?
O favorito entre todos os pais de amigos. Juventude cheia de histórias, brigas, jogos de futebol, mulheres e bailes.
Os amigos contavam das façanhas como técnico de várzea. Os primos das brigas que ele aparecia para salvar o dia. Ninguém no clube onde batia cartão escondia: era um pé de valsa nato.
O pai dele era um dos piores seres humanos que já existiu e, mesmo tendo convivido com ele até os 6 anos, tenho medo da lembrança dele. Comparado com meu avô, meu pai era uma evolução.
Foram muitos anos de conflito. Ele era "Malufista" e eu militante de esquerda. Seus ídolos eram do samba, os meus do rock. Foi ídolo do bairro no futebol, eu campeão de basquete. Dizia que homem não chora enquanto eu lia Vinicius de Moraes. Éramos água e azeite.
Quanto mais personalidade eu tinha, mais brigas aconteciam.
Demorei muito para perdoá-lo por não ter ido nas minhas peças de teatro, jogos de basquete e até aniversário.
Um dia sentei com ele e, sem me alterar expliquei minhas frustrações. Desculpas e um choro sincero de ambos. Ele nada mais era do que um menino com problemas, que tinha perdido pai e mãe em um intervalo de 3 anos. Que tinha feito más escolhas, que não ligava para a própria saúde, mas sim para a recompensa imediata. Não via mal algum demostrar o amor à filha, mas uma relação mais aberta com outro homem, mesmo sendo sua prole era inconcebível. Numa noite de frio como essas, ouvi os passos dele em direção ao meu quarto. Estava tão cansado que não me mexi ou abri os olhos. Ele resmungou que eu estava com as costas descobertas. Me cobriu, me beijou na têmpora e disse 'te amo'. Passei o resto da madrugada chorando em um misto de felicidades e arrependimento por não ter conseguido ver antes o quanto ele me amava por traz da pose de macho alfa. Sempre que posso, relembro as histórias mais engraçadas, os ditados cômicos e machistas, as piadas e broncas.
Joguei suas cinzas no mar de Santos em uma manhã de sábado. Julho é agridoce. Aniversário e também data de óbito no mesmo mês.
11 anos, 11 meses e 18 dias sem ele.
A saudade gera lágrimas, mas as memórias um sorriso no canto do rosto.


Texto: Danilo Lodi
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