Homem morto caminhando.



“Eles teriam feito um serviço mais limpo se tivessem usado um machado...” As câmeras de segurança captaram esse áudio antes de fritarem com o pico de eletricidade.

A frase pertence a Francis Westinghouse... Se preferir, apenas Francis, mas eu não recomendo que use esse nome, os registros dizem que ele odeia.
Francis é um jovem homem negro, 27 anos, forte como um touro e, equivalentemente, esperto. Note que eu disse esperto, afinal ele não é sábio ou inteligente. Francis é apenas ligeiro para contornar o imediato.
Espero que compreenda a diferença conceitual entre essas três palavras.

Inteligente é o que você sabe. Francis não sabia muito, ele tinha sido expulso de todas as escolas que frequentou. Também não sabia porque a vida dele tinha se tornado aquele amontoado de enganos e cicatrizes que migravam de um infortúnio para outro.
Sendo preciso e direto como um raio, ele não sabia por qual motivo vivia fodido.
De uma queda para a próxima.

Isso, claro, tornou ele um sobrevivente e fez dele esperto. Rápido para perceber quando estava sendo enganado e violento para responder a isso.
Essa era uma sensação constante na vida dele... Algo estava faltando, tinha sido roubado, negado, removido antes de seu nascimento. Alguma coisa que ele nunca soube o que era e, por isso, precisava ser esperto para não perder mais coisas, precisar ser cruel para que ninguém mais tentasse tirar algo dele.
Sobre ser sábio...  A última das três palavras, com certeza ele não era.
Se fosse teria entendido nos primeiros 20 minutos da noite do blecaute que ele agora era um deus e não mais um ladrão barato.
Se ao menos ele fosse sábio, em algum momento da vida, ele entenderia que sentia raiva por não ter tido uma existência como aquelas que ele via nos seriados, na televisão e nos outros colegas de classe. Compreenderia que seu pai era um cabeça de crack e sua mãe uma fodida, de uma longa linhagem de fodidos... e então, ciente disso, ele teria sido grato por ela ter tentando, da melhor forma possível, dar para o pequeno Francis alguma chance de não ser apenas outro preto fodido em um dos ramos da sombria árvore genealógica de sua família.

Ela falhou.
Aos 12 ele teve o nariz quebrado por um policial.
Aos 15 ele foi preso por roubar um carro.
Aos 16 voltou a ser preso, dessa vez, por assalto.
Aos 17 era um caso perdido. Aos 22 foi o único sobrevivente no que a polícia classificou como um acerto de contas entre quadrilhas rivais...15 mortos, 1 ferido gravemente. Ele deu sorte... Ficou 1 mês internado entre a vida e a morte, quando saiu da U.T.I foi enviado para o hospital da penitenciária estadual e responsabilizado pelos 15 homicídios que ocorrem na noite em que ele foi preso.
15 é um número bom o bastante para você conseguir cadeira elétrica.
Francis não disse nada durante o julgamento, acredita?
Nem ao padre. Não pediu perdão por aquilo que era.
Seu pedido para última refeição foi lagosta, fritas, um hambúrguer de uma lanchonete barata chamada Dittz e refrigerante de cola. Ele não disse uma palavra quando sentou na cadeira.
Ele mal gemeu quando 2000 volts atingiram o corpo dele.
Nesse ponto alguma coisa deu muito errado...
Normalmente quando algo sai do controle em uma execução com a cadeira elétrica a cabeça do fulano pega fogo, ele continua respirando com a pele e órgãos internos fumegando, mas, no caso de Francis, algo realmente saiu muito, muito errado.
Três estados ficaram mergulhados no maior blecaute da década. Mesmo quando os disjuntores caíram o corpo dele continuou absorvendo eletricidade drenando a luz das cidades próximas e espalhando essa fome como uma praga bíblica.
Carrasco, padre, oito oficiais, vinte e duas testemunhas foram incineradas quando Francis levantou-se da cadeira gargalhando como o diabo.
Dois minutos, apenas dois minutos depois, o número de óbitos triplicaria no caminho que ele abriu até a saída da penitenciária.

Repare, estamos falando de alguém que é capaz de movimentar e direcionar imensas quantidades de energia elétrica, entende? No século vinte e um, onde tudo é movido e depende da eletricidade. Pelo amor de Deus o maldito era até mesmo à prova de balas.
Os guardas que sobreviveram disseram que não adiantou disparar contra ele, compreende isso?

Equipamentos apagavam e explodiam apenas por ele encará-los. Ele literalmente secou a energia elétrica em três malditos estados... E qual foi a primeira coisa que Francis foi fazer com seus novos e semidivinos poderes?

Roubar um carro e depois uma loja de conveniência.
Cair na estrada e sumir dirigindo por quase 2 horas... Até aqui onde ele está, sentado em uma das cadeiras vagabundas e engorduradas do Dittz, comendo um hambúrguer e bebendo um refrigerante de cola, enquanto se diverte olhando o noticiário na televisão tentar explicar o que houve na penitenciária estadual.

Enquanto mastiga e sorri ele consegue escutar os estalos elétricos dentro da boca e a carne do lanche fritando em contato com os dentes.
Francis lembra de como sua mãe lhe dizia que ele não seria nunca alguém na vida.
Ele ri.
Uma das luzes próximas explode.

Talvez o mundo tenha muita sorte por Francis não ser um sábio.




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