Sobre Camadas.


Malevitch
Quadrado preto sobre fundo branco
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O cidadão de bem médio brasileiro é um caso peculiar.
Merece ser estudado, como um animal raro.
Tipo aquela tartaruga chinesa de casco mole. Aquela, que você não conhece, e que é capaz de urinar pela boca.

Em nosso caso.
Poderíamos descobrir como o cidadão de bem médio brasileiro, esse mistério da lógica, consegue se reproduzir e proliferar, mesmo falando tanta merda por sua boca e dentes cordiais e amistosos. Como ele consegue ainda respirar sozinho com o cérebro claramente parado?

Poderíamos, ao final dos estudos, direcionar todo esse chorume para adubar os campos da Terra. Guiaríamos o mundo para uma era sem fome. Bastaria apenas despejar toda essa merda racista, homofóbica, conservadora, mesquinha e ignorante, que sai da boca da nossa nação, direto nos campos secos e estéreis do planeta.
Fuck o “We are the world”. We are brazilians... We have the shit”

Sim baby, nós temos bananas e merda, para dar e vender!

O Saara voltaria a verdejar.
O Sertão viraria uma segunda Amazônia.
Toda essa inesgotável torrente de merda mal utilizada nos comentários em sites de notícias da internet, em posts de aplicativos, em rodas de conversa nos bares da vida e nas hamburguerias gourmet.

Pare um pouco e agora pense.
Saindo da consequência para a causa.
É bom entender que o cidadão de bem médio brasileiro tem um histórico, uma origem.
Pense em uma aristocracia escravocrata.
Pense. Em um país que foi o último do planeta a abolir a escravidão.
Pense que 90% da população de adultos do Brasil não é capaz de interpretar e compreender esses dois termos mencionados acima: “aristocracia escravocrata”.


E que, ainda assim, boa parte desses 90% é convencida a defender, com unhas e dentes, os interesses dos 10% que sobram.
Dos 10% que são capazes de ler e escrever perfeitamente.
Dos 10% com os melhores salários.
Dos 10% que fizeram suas fortunas através do trabalho escravo ou explorando aquele 90% da população que não teve chance de estudar português e, tão pouco, matemática para perceber como tem sido feita de trouxa.

Pense em um país aonde, desde sua formação, há a ideia que: “todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros.”
Quer ofender o cidadão de bem médio brasileiro? Diga para ele “A partir de agora vou tratar você como se fosse igual a todo mundo”.

Aí fodeu. Isso é inadmissível.
Melhor a morte do que deixar de ser parte de um clube fechado, de uma casta especial. A ideia de igualdade apavora e gera repulsa em nosso amigo mediano.
Ele precisa sempre da noção de ser especial e de somente ser julgado por seus iguais.
Afinal aqui é a terra do “você sabe com quem está falando?”

Em linhas gerais o conceito é que:
Se você tem pouco, precisa que alguém tenha menos do que você para poder sentir-se especial.
Se tem muito, precisa deixar claro que esse muito é para poucos.
Só os escolhidos, como você, podem desfrutar esse prazer meritocrático.
Talvez seja isso, a ânsia de vômito diante do medo de ser IGUAL é o que faz o brasileiro médio de bem regurgitar tanta merda.

Deve ser complicadíssimo para nosso amigo mediano e das castas superiores chamar um preto de doutor. Dividir o mesmo espaço com um pobre na faculdade, no avião, no restaurante, no museu. Deve ser quase impossível tratar, por doutora ou médica, a negra anteriormente vista apenas vestindo um uniforme na cozinha da casa dos pais.

Deve ser terrível ver, em posição de igualdade, quem sempre foi destinado a obedecer e servir.

“Ele está bebendo o vinho que deveria servir.
Ela está escrevendo os livros que deveria limpar.
Ele está ocupando o meu lugar.
Quem ela pensa que é?”

Toda essa igualdade abala, profunda e fundamentalmente, a elaborada e cristalizada estrutura de castas do Brasil.
Esse lugar perfeito. Onde cada um fica onde está.
E onde nada muda.
Onde nada pode mudar.

Porque se mudar... Se alguém tentar um novo rumo para as coisas.
Essa criatura invisível, insólita e insensível, que é o cidadão de bem médio brasileiro, vai precisar agir, falar e latir.

Se alguém fizer tudo certo. Meritocraticamente certo.
Lutando contra as estatísticas. Contrariando as estimativas.
Se alguém se atrever a estudar... Mesmo passando fome.
Se formar na faculdade... Mesmo andando a pé.
For eleito para representar o que acredita.
Ou se, simplesmente, seguir a lei e insistir que esta deveria ser IGUAL para todos.
Essa pessoa vai tornar-se um problema sério para os 10%.
E, sob os olhos coniventes de boa parte dos 90%, será alvejada por 4 tiros.
Precisos, treinados e certeiros.

Será feita de exemplo.
Para que os 90% entendam que devem ficar onde estão.
Para que os 10% sintam-se ainda mais invulneráveis.

Formando um glorioso país quebrado em camadas.
Desfeito em castas.

Habitado por zumbis...
Educados pela ignorância sistemática de uma educação sucateada.
Treinandos pela jornal da noite  para latir quando convocados.
E assustados demais para se atreverem a parar de reproduzir esse discurso de ódio de merda.
E pensar.

Um país peculiar. Habitado por zumbis de bem.
Que vomitam ódio e merda.
E que estão dispostos a matar para que nada mude.
Nessas capitanias hereditárias.

Nunca.




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